sábado, 27 de junho de 2015

VÍRGULA: Uso EM CASO DE VERBO SUBENTENDIDO

Do leitor Francisco Leoncio Cerqueira, de São Paulo, recebi o seguinte comentário: 

Tenho visto com frequência em revistas, jornais e até livros uma pontuação que me parece inadequada e me soa mal. Veja os seguintes exemplos:
 

O gerente ficou mais bonzinho e o motor, mais malvado.
A aeronave foi isolada e os passageiros, impedidos de desembarcar.
Carro popular fica mais caro e de luxo, mais barato.
A esquerda europeia reconhece seus ancestrais e a direita, seus inimigos.
A saída para a crise é de longo prazo e a receita, ortodoxa.
A empreiteira implodiu o edifício e o ministério, seus opositores. [Pode-se entender que a empreiteira tinha dois opositores – o edifício e o ministério – e os implodiu.]
 
O jornalista desconhece a ortografia e o dicionário, a sintaxe e a pontuação. [Pode-se entender que o jornalista desconhece quatro coisas: ortografia, dicionário, sintaxe e pontuação.]

O Planalto fritou o ministro e o cozinheiro, frutos do mar. [sentido ambíguo]
 
O prisioneiro denunciou o amigo e o empresário, seus cúmplices. [idem]
 
O médico atendeu o paciente e a enfermeira, os feridos. [idem]




O BCCCV informa:

 
O que me parece é que os redatores têm receio de colocar a vírgula antes do e. [...] Outra explicação seria a de que a vírgula está substituindo o verbo, oculto por elipse. O que eu aprendi em mil novecentos e antigamente é que a vírgula pode ser usada para indicar a elipse do verbo. Mas neste caso ela não precisa ficar no lugar que seria o do verbo. Acho até mais razoável repetir o verbo, em vez de usar essa pontuação absurda. Na maioria dos casos, para corrigir essa pontuação, basta deslocar a vírgula. Em outros será necessário recorrer a ponto e vírgula ou ponto. Em raros outros, será melhor alterar a própria redação.
 
É isso aproximadamente que proponho no livro Só Vírgula. Ou seja: há opções de redação. Reitero que não há erro em nenhuma das frases apresentadas acima; no entanto, algumas (as últimas) ficariam melhores com outra pontuação, sem dúvida. 
 
Considero ainda que em muitos casos basta a vírgula antes do e
 
O carro popular fica mais caro, e o de luxo mais barato.
 
Os liberais ou radicais ficavam sentados à esquerda do orador, e os conservadores à direita.
 
Em 25 de fevereiro de 1975 o governo convocou a V Conferência de Saúde, e em março de 1977 a VI Conferência.
 
Quando aparece o verbo ser, pode-se pensar até em repeti-lo:
 
O Brasil reúne dois defeitos: o dinheiro é curto (30 mil reais por aluno até os 15 anos) e a distribuição dos valores é heterogênea.
 
Entretanto, há frases sem a conjunção e entre as duas orações. Aqui é preciso, então, usar o ponto e vírgula no lugar onde estaria o E, para separar com clareza as duas orações. Lamentavelmente não foi o que fez a revista Istoé ao transcrever declaração do ator Murilo Rosa: “A tevê confere visibilidade, o teatro, prestígio.” A transcrição correta e clara seria com um ponto e vírgula no meio da frase: “A tevê confere visibilidade; o teatro, prestígio”.  
 
Outro mau exemplo sem a conjunção e foi encontrado numa prece: 
 
Torna-me refletido, mas não ranzinza, serviçal, mas não autoritário.
 
Melhor redação seria esta:
 
Torna-me refletido, mas não ranzinza; serviçal, mas não autoritário.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A ERA DA INTOLERÂNCIA:



Por qual razão não aceitamos a opinião contrária?

Vivemos um período em que pensar diferente é motivo de raiva


"Se eu não concordo, está errado! E você (que não pensa como eu) merece se dar mal."

A Era da intolerncia

Basta navegar por alguns minutos na internet para presenciar inúmeras e incontáveis cenas de intolerância, das mais variadas.
Parece que não é possível ter opiniões divergentes, sem que isso cause um problema entre as pessoas.

A Era da intolerncia

Se eu sou contrário a redução da menoridade penal, é porque eu nunca fui vitimado, violentado e etc e que, portanto, deveria passar por uma situação como essa para ver o que é bom e começar a pensar que os adolescentes devem ser presos.
Ou, então, tenho que pegar esse menor e levá-lo para casa, já que tenho tanta dó dele.
De outro lado, se falo sobre as drogas, sou um “drogadinho” que só pensa em benefício próprio e que tá doido para sair por aí usando drogas.
Ou, então, tenho que ser vítima de um usuário de drogas para saber o quanto a droga é ruim para a sociedade.
Se eu sou a favor da homossexualidade, sou um “viadinho”; e se sou contra sou homofóbico.
Se defendo a liberdade de expressão e critico a forma de atuação da “igreja”, sou “cristofóbico”; e, se defendo o posicionamento religioso, sou xiita, fanático, dentre outras.

A Era da intolerncia

Espera aí!
O fato de eu ter uma opinião contrária à sua, não me torna melhor ou pior do que você, apenas demonstra que pensamos diferente.
E, até onde eu sei, são as discordâncias que fazem uma sociedade mais justa e igualitária.
Não há como se chegar a solução de um problema se não se discute sobre ele e sobre as suas consequências.
E digo mais. Esse é um portal voltado para exposições e discussões de matérias jurídicas, o que pressupõe que as pessoas que o acessam (em sua maioria)estudam ou atuam nessas áreas.
Assim, ao meu ver, isso torna essa intolerância ainda mais grave, pois, se partimos do pressuposto que profissionais/estudantes do Direito não sabem debater, dialogar, sem levar para o lado pessoal, sem ofender e sem “jogar pragas”, entendo que temos que rever quais são esses profissionais que estamos formando.
O Direito é voltado para a discussão, para a defesa de teses, e, por isso, se não conseguirmos realizar essas tarefas de forma impessoal, temos que mudar de profissão.
Menos intolerância e mais respeito com a opinião contrária.
É dessa junção de ideias que surgirá uma sociedade melhor e não da disputa para saber quem está com a razão.

Pedro Magalhães Ganem

domingo, 21 de junho de 2015

ESTUDOS X CANSAÇO


É possível contornar o cansaço durante os estudos? Como?


Você já dormiu em cima dos livros?
Deixa eu descrever a situação para ver se você se identifica.
Terça-feira. Você acabou de chegar em casa.
Depois de acordar cedo para trabalhar e correr para a faculdade no final do dia, finalmente é hora de descansar?
Não.
Agora é que sua jornada nos estudos começa.
Você come alguma coisa bem rápido, senta à mesa com os livros abertos e tenta atacar aquele pedaço da teoria que não está entendendo.
Resultado?
Em 5 min, já começou a perder o foco e a “pescar” - aqueles episódios conhecidos de microssono.
Em 15 min, você está cochilando sobre os livros.
“Impossível se concentrar nessas condições”, você pensa, ao acordar uma hora mais tarde e notar que o tempo de estudar acabou.
Esse é um problema cada vez mais comum nos dias de hoje. Durante cursos e treinamentos que eu ministro, é a pergunta mais frequente que respondo a estudantes: “como integrar os estudos à minha rotina?"
Especialmente aqueles que se sentem culpados por se acharem preguiçosos por não conseguir estudar. Bem, antes de discutirmos se é possível (e como) tratar o problema, quero deixar algo claro: a culpa não é sua.

E de quem é a culpa por dormir sobre os livros?

Já notou como ensinam tudo a você na escola, menos a melhor maneira de estudar?
“Meta-aprendizado” deveria ser uma disciplina obrigatória desde muito cedo. Afinal de contas, espera-se que lembremos de tanta informação, mas nunca pararam para nos ensinar como, certo?
Nos últimos anos, educadores de vários níveis têm chamado atenção para essa necessidade. Por exemplo, depois de sair do mundo das artes e virar professora de engenharia, a Dra. Barbara Oakley, da Universidade de Oakland, resolveu escrever um livro para ajudar todos aqueles que com dificuldade com números.
Ao contrário do que muitos imaginam, a ciência dos estudos não é um campo estagnado - há sempre novas descobertas que podem ser trazidas para o dia a dia a fim de melhorar os estudos. Há bastante conceitos e ideias da pedagogia, psicologia, neurociência e até mesmo administração que são úteis para um estudante saber.
Por exemplo, para entender por que você não consegue se concentrar ao chegar em casa cansado da rotina, precisamos olhar para neurociência e para a psicologia da performance.
 Possvel Contornar o Cansao Durante os Estudos Como
Olhe a imagem acima. Aquele é seu cérebro. A parte em destaque é chamada córtex pré-frontal. Durante milhares e milhares de anos, nós evoluímos de animais que só faziam tarefas simples, como caçar, se reproduzir e dormir.
As funções mais humanas, como estipular objetivos, estudar e afins, surgiram mais recentemente e por isso são comandadas por áreas separadas, mais externas no cérebro. Basta imaginar uma cebola: quanto mais central a área do cérebro, mais antiga e “animalesca” é a função que ela comanda.
O que nos interessa aqui é o estudo (uma ação abstrata, que só humanos realizam) é comandado pelo córtex pré-frontal, a área em destaque. Essa região também controla nossa força de vontade, quando precisamos agir contra impulsos mais primitivos como fome e cansaço.
Por exemplo, quando estamos cansados e queremos dormir, mas precisamos estudar, usamos a força de vontade. Ou quando estamos de dieta, mas bateu a fome e só há uma comida proibida disponível; não comer aquele bolo delicioso requer força de vontade.
“Sim, Paulo, mas o que isso tem a ver com estudar mesmo cansado?”.

O músculo da força de vontade

Algo interessante sobre essa região do cérebro: ela parece funcionar como um “músculo”. Quanto mais você usa o córtex pré-frontal, mais ele se “cansa”, precisando de um tempo para se recuperar.
Ao longo do dia, você está o tempo inteiro resolvendo problemas, lidando com pessoas, planejando, executando… utilizando o córtex pré-frontal.
À noite, ao chegar em casa depois da rotina, suas reservas estão baixas. Isso significa que sua força de vontade, comandada pela mesma parte do cérebro, está frágil.
O autocontrole vai embora e fica quase impossível controlar o cansaço e focar na leitura.
Resultado? Você dorme em cima dos livros.
E no final das contas, a culpa nem é sua. Não é que você seja preguiçoso: simplesmente há uma barreira biológica que nunca lhe ensinaram como contornar.

É possível contornar o cansaço na hora de estudar?

“Certo, então há uma barreira biológica, a culpa não era da preguiça… mas é possível estudar ainda assim? Como proceder?”
Há bastante coisa para você saber a respeito do cansaço nos estudos. Eu dedico um treinamento inteiro ao tema, focado em ajudar as pessoas a integrar o estudo à rotina e a estudar bem em qualquer situação (clique aqui para mais informações).
Como vimos acima, além do tradicional cansaço físico com o qual já estamos acostumados a lidar, quando se trata de uma sessão de estudo produtiva, é preciso contornar também o cansaço mental.
Para isso, algumas pessoas recorrem para estimulantes mentais, como a famosa cafeína. O problema com essa abordagem é a adaptação, que causa retornos cada vez menores.
Em poucas palavras, quanto mais café você bebe para se manter capaz de estudar, mais café você vai precisará beber, pois o corpo se acostuma com os níveis anteriores de cafeína no sangue. Além disso, seu sono será prejudicado, o que irá atrapalhar a sedimentação do aprendizado que ocorreu durante as sessões de estudo. Depender dessas substâncias para estudar é, de fato, uma má ideia.
Para alcançar a consistência, o que se faz necessário caso você possua um objetivo de médio-longo prazo (como aprovação na OAB ou em concursos), é necessário utilizar técnicas que não possuem impactos negativos na saúde. A palavra-chave aqui é sustentabilidade.
A boa notícia é que sim, é possível contornar o cansaço para estudar sem prejudicar a saúde.

Duas Estratégias para processar seu cansaço

Como já vimos, o foco é tratar a potência “limitada” do cortéx pré-frontal, que usamos para estudar e onde reside o autocontrole.
A primeira estratégia é literalmente poupar o uso do córtex pré-frontal. Quanto menos você utilizar a região do cérebro que mais tarde será ocupada com seus estudos, mais energia você possuirá ao final do dia.
Um dos modos de fazer isso é planejar o dia com antecedência para evitar fazer ter que fazer escolhas e lidar com muitas opções. O psicólogo Barry Schwartz, autor do livro Paradoxo da Escolha, traz uma discussão interessante sobre como ter muitas opções e escolhas para fazer pode ser um ponto negativo de nossa geração.
Escolhas demandam bastante psicologicamente; demanda que poderia ser dedicada apenas aos estudos!
Quanto melhor o planejamento de sua rotina, menos escolhas precisam ser feitas. Quanto menos escolhas, mais preparado para o aprendizado você chegará ao final do dia.
A segunda estratégia é algo que batizei de Ajuste Atividade Energia (A2E).
O costume popular é pensar em “estudar” como uma atividade única, variando apenas o tópico. Na realidade, o estudo é composto por várias atividades diferentes: ler, assistir, ouvir, anotar, interpretar, praticar, revisar, corrigir, pesquisar etc.
Cada uma dessas tarefas demanda um nível de esforço diferente e requer condições distintas para serem realizadas.
Por outro lado, ao longo do dia (e da semana), nós dispomos de níveis diferentes de energia disponíveis. Basta comparar como você se sente ao chegar em casa na terça-feira à noite, depois de uma longa rotina, e como se sente ao acordar depois de uma boa noite de sono no domingo.
 Possvel Contornar o Cansao Durante os Estudos Como
Essa segunda estratégia para contornar o cansaço consiste em ajustar o nível de energia que você possui disponível em cada momento de estudo com as tarefas que demandam aquele nível. As tarefas mais trabalhosas devem ser realizadas quando há mais energia disponível.
Em contrapartida, nos momentos de baixa energia, não adianta tentar realizar tarefas que demandam bastante: é como tentar usar o veículo em uma marcha errada.
O resultado, qual vai ser?
 Possvel Contornar o Cansao Durante os Estudos Como

Hora de colocar a mão na massa

Você terá resultado zero se não colocar em prática tudo que discutimos por aqui. Afinal de contas, conhecimento só tem valor quando muda sua forma de agir. O resultado vem da mudança!
Lembrando que essas duas estratégias são parte de um curso maior e bem detalhado sobre Como Estudar Bem Mesmo Cansado. Se quiser saber mais sobre o tema, basta clicar aqui.
Experimente com o planejamento de seu dia (com antecedência) e com o ajuste atividade-energia, depois volta aqui para nos contar os resultados!

quinta-feira, 18 de junho de 2015

REGÊNCIA DO VERBO CONSTAR:

-- Gostaria de saber a correta regência do verbo constar.  G. C., Belém/PA
 
--- Quando devemos usar constar de e constar no, na ou em? Ex: Meu nome está constando na lista de aprovados ou da lista de aprovados? Veja se meu nome consta na ou da lista? Grace C. F. Deana, Brasília/DF


O BCCCV esclarece:

 
As duas preposições – de e em – são corretas quando se usa o verbo constar com o sentido de “estar escrito, registrado ou mencionado” ou “fazer parte, incluir-se”:
 
Seu nome consta da lista de aprovados.
 
Consta nos autos que... Consta dos autos que...
 
Tal vocábulo nunca constou nos dicionários.
 
Vou fazer constar o incidente em meu relatório.
 
O ideal seria que nesse caso só se usasse o complemento regido da preposição em, mas de qualquer modo se aceitam as duas formas. Já quando constar tem o significado de “ser composto, constituído ou formado; consistir em algo”, usa-se apenas a preposição de:
 
Os Lusíadas constam de dez cantos.
 
A casa que alugamos consta de peças grandes e arejadas.
 
Seu relatório constava de 50 páginas, mas teve de reduzi-lo a 35.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini 

BEBER REDONDO...

-- A cerveja que desce redondo ou redonda? C. B. M., Londrina/PR

O assunto voltou à tona quando começou a circular nova frase: “Beber redondo é beber com responsabilidade”. Está correto usar, em ambos os casos, a forma redondo, pois aí o adjetivo “redondo” está sendo usado como advérbio de modo, a modificar o verbo, como se fosse “redondamente”. Neste caso ele fica neutro, ou seja, no masculino singular, ainda que um eventual substantivo na mesma oração esteja no feminino ou no plural, pois – repetindo – não é ao substantivo que esse tipo de adjetivo-advérbio se refere, mas sim ao verbo. De outra parte, não se pode dizer que a cerveja é redonda. 





Usar o adjetivo adverbialmente é prática bastante usual em português, como se vê abaixo:
Agiu certo.
Jane saiu leve.
Ande rápido, por favor.
Paulo pisou firme.
Os idosos pediram que falássemos alto.
Resolveu investir pesado na área de ecoturismo.
O programa corrige automaticamente informações digitadas errado.
O governo tem caminhado lento nas negociações.
Quem estacionar na Zona Azul sem cartão será multado direto.
É como se disséssemos: “Agiu acertadamente. Saiu com leveza. Pisou firmemente ou com firmeza. Ande rapidamente. Falamos em voz alta. Resolveu investir muito ou maciçamente. Informações digitadas de modo errado/erradamente. Tem caminhado lentamente. Será multado sem apelação”.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini.

terça-feira, 16 de junho de 2015

COMO USAR "PORÉM"

--- Os manuais de redação afirmam que não se pode iniciar oração com porém. Por quê? Solange Loos, Curitiba/PR

--- Nunca se usa porém em início de parágrafo? Todas as gramáticas condenam tal uso ou há alguma brecha para usá-lo? N. N. R., Brasília/DF
 
Temos aqui duas questões: o uso de porém no início da oração e do parágrafo. Não há jornal ou revista que não contenha pelo menos uma frase ou oração iniciada pela conjunção adversativa “porém”. Isso faz parte da nossa escrita, sempre fez. Dois exemplos: 
 
O lançamento dessa medicação é um avanço, porém a reportagem não comentou o seu preço.
 
Vence quem ganha mais e cede menos. Porém, ceder é preciso. 





 
Assim, não vejo razão para uma afirmação deste tipo: “Porém: Não inicia oração e, por isso, deve aparecer no interior dela”. Pode-se até dizer que essa conjunção fica elegante, talvez requintada, quando aparece no meio da oração (p. ex., “Ceder, porém, é preciso”), mas não que essa deva ser a regra.
 
E já que se trata mais de estilo do que de erro, que Gladstone Chaves de Melo tome a palavra. O conhecido professor mineiro-carioca, doutor em língua portuguesa e autor de mais de 30 obras, em seu livro Iniciação à Filologia Portuguesa (1957,  p.353) faz as seguintes ponderações no capítulo “Como se deve estudar a língua”:

“Todo o ensino da língua deve consistir em apurar o sentimento da linguagem. Mostrar o que está certo, chamar a atenção para o que está bem [...] Aprimorar o gosto, despertar e fomentar o senso de distinção, exercitar a plasticidade da inteligência, para fazer compreender que para cada uso linguístico há uma linguagem especial, de tal modo que não é possível estabelecer esquemas rígidos, grosseiramente aplicáveis a todos os casos [...].
“Se alguém traz no bolso do colete a regra seca de que não se começa a frase por pronome oblíquo, como poderá apreciar a beleza daqueles versos do Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, quando Anchieta encontra uma índia cismarenta, lhe dirige a pergunta: ‘O que fazias, filha’?, e ouve como resposta: ‘Me lembrava dessa criança’? [...]
“Se alguém levou a sério a lição veiculada por Cândido de Figueiredo de que ‘não é bem português’ a colocação de porém no início de frase – não obstante as centenas de exemplos em contrário, desde os mais antigos até os mais modernos textos –, se alguém levou a sério a cerebrina teoria, não poderá saborear devidamente a beleza desta construção de A cruz mutilada, de Herculano: ‘Porém, quando mais te amo...’ ”
 
Quanto à segunda questão, de fato não convém iniciar parágrafo com porém, mas e senão, que são as adversativas por excelência. Se essas três conjunções têm valor adversativo, isto é, exprimem a incompatibilidade das ideias envolvidas, elas devem estar ligadas de imediato ao enunciado anterior, dando pois sequência à afirmação principal ou tópico frasal do parágrafo, embora com ideia de oposição, contrariedade.
 
As outras assim chamadas conjunções adversativas [portanto, entretanto, contudo, todavia, não obstante] são na verdade “advérbios que estabelecem relações interoracionais ou intertextuais” (Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2001:322), podendo por isso dar início a um novo parágrafo, ao contrário de mas e porém.


Maria Tereza de Queiroz Piacentini 

segunda-feira, 8 de junho de 2015

CARTEIRA DE MOTORISTA: O jovem emancipado pode tirar?

Que jovem não sonha em dirigir um carro e impressionar seus amigos? Com certeza a grande maioria aspira este “privilégio”.
Só que todo jovem sabe que para tirar a Carteira de Habilitação somente após os 18 anos. Mas e se o jovem for emancipado? Seria possível ser habilitado para dirigir um veículo? É o que você irá aprender neste artigo. De uma vez por todas.

EMANCIPAÇÃO – O QUE É?

Se você são sabe o que é a emancipação e como fazê-la, sugerimos a leitura de nosso artigo que trata especialmente do tema.
Em suma, a emancipação opera-se através de um ato voluntário de ambos os pais, conferindo antecipadamente ao filho, maior de 16 e menor de 18 anos, a plena capacidade civil. Uma vez emancipado, o filho poderá praticar todos os atos da vida civil, isto é, ele pode exercer definitivamente tanto a capacidade de direito e a capacidade de fato.
A capacidade de direito todos nós a adquirimos ao nascermos com vida. Porém, a capacidade de fato só é adquirida quando a lei nos diz que estamos aptos a praticar esses direitos pessoalmente, sem a necessidade de representação ou assistência de um terceiro. Por exemplo, uma criança de 10 anos pode ser donatária em um contrato de doação. Ela goza da capacidade de direito, isto é, de ser parte em uma relação jurídica.
O jovem emancipado pode tirar Carteira de Motorista?
SEMPRE dirija com prudência e respeite a legislação de trânsito.
Contudo, essa criança carece da capacidade de fato, necessitando que um terceiro a represente (no caso um ou ambos os pais ou o tutor) neste negócio jurídico, visto que a criança não pode praticar esse ato pessoalmente por carência de discernimento sobre o fato.
Agora, vamos ver o que diz o Código de Trânsito Brasileiro sobre os requisitos para se tirar a Carteira Nacional de Habilitação.

O QUE DIZ O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

O artigo 140 do Código de Trânsito Brasileiro traz os requisitos que os candidatos a habilitação veicular devem preencher:
Art. 140. A habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor preencher os seguintes requisitos:
I – ser penalmente imputável;
II – saber ler e escrever;
III – possuir Carteira de Identidade ou equivalente.
Para o tema discutido neste artigo, somente será abordado o inciso I – “ser penalmente imputável”.

Mas afinal, o que é a imputabilidade penal?

A imputabilidade penal nada mais é que a capacidade que a pessoa tem de entendimento sobre a ilicitude de um determinado fato, isto é, o que é crime e o que não o é. Por exemplo, a pessoa deve entender com plena convicção que matar uma pessoa é errado (é um crime). Somando-se a esse requisito de entendimento do fato injusto, o agente ainda deve ter total determinação em relação a tal fato, ou seja, deverá ter controle sobre essa vontade. Em suma, é a somatória de dois elementos: um intelectual (saber que o ato praticado é crime) e outro volitivo (ter controle da própria vontade).
Uma vez satisfeitos esses dois requisitos pelo agente, isto o torna plenamente imputável, estando apto a responder penalmente por seus crimes praticados.
O Código Penal Brasileiro lista as hipóteses em que o agente é inimputável, sendo imputáveis as demais hipóteses por exclusão.
A primeira hipótese de inimputabilidade é trazida pela Constituição Federal e também pelo CP, é a tão dita maioridade penal.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. (CF/88)
Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (CP)
Claramente é adotado um critério de desenvolvimento mental incompleto devido a carência de idade cronológica. Também, são considerados inimputáveis dos portadores de doenças mentais, com desenvolvimento mental retardado e ainda aqueles acometidos de embriaguez completa advinda de caso fortuito ou força maior.

CONCLUSÃO

Após tais esclarecimentos, é possível concluir se a indagação título deste artigo é viável. Será possível o jovem emancipado tirar a CNH?
Por toda lógica, a resposta é não.
Primeiramente, não se pode confundir a capacidade plena civil com a capacidade penal (a qual a imputabilidade penal é sua espécie). A primeira é antecipada pela emancipação, galgando o emancipado com a plenitude de sua capacidade civil, podendo realizar negócios jurídicos pessoalmente, sem a necessidade de assistência dos pais ou responsável legal. Já a segunda, é completamente diferente, já que, a maioridade penal se atinge aos 18 anos. Se um emancipado que ainda não atingiu os 18 anos completos comete um crime, este não responderá como um imputável, mas estará sujeito às normas do ECA.
Portanto, infelizmente o emancipado não poderá tirar a Carteira Nacional de Habilitação antes de completar 18 anos de idade.
Mas afinal, esperar mais 2 anos não será assim tão ruim, não é? A menos para os impacientes…

Uma luz no fim do túnel

Interessante mencionar é o fato da existência do Projeto de Lei 571/2011apresentado pelo Deputado Wladimir Costa em 2011, que ainda encontra-se em trâmite, onde tal projeto legislativo propõe, em suma, alterar o Código de Trânsito Brasileiro com o fim de adicionar uma permissão para dirigir ao emancipado.
E quanto a você leitor? O que acha dessa regra? Acredita ser viável a proposta legislativa concedendo a permissão de dirigir ao emancipado? Registre abaixo nos comentários a sua opinião. Até a próxima.
Fontes:
  • Constituição de 1988
  • Código Penal
  • Código de Trânsito Brasileiro
Imagem de gde-fon.com

domingo, 7 de junho de 2015

EMANCIPAÇÃO: O que é? Como fazer?


A palavra emancipar, segundo o dicionário Priberam significa “1. Dar ou receber a emancipação. 2. Tornar ou ficar independente. = LIBERTAR“. É, portanto, um meio previsto em lei para dar ao menor total liberdade para praticar atos e negócios jurídicos.
Antes de esclarecermos para você leitor o que é a emancipação segundo a legislação civil brasileira e quais os procedimentos para fazê-la, necessário se faz discorrer sobre a maioridade civil.

QUANDO A PESSOA SE TORNA “MAIOR E CAPAZ”

Emancipação de Menor - Como fazerDe acordo com o art. 5º caput do Código Civil, a pessoa natural atinge a maioridade civil ao completar 18 anos. A partir desta idade diz-se que a pessoa adquire a capacidade plena para praticar atos jurídicos pessoalmente sem a necessidade de assistência ou representação. Como exemplo, pode-se citar a negociação de compra e venda de um automóvel através de um contrato.
O que não ocorre quando o menor tem entre 16 e 18 anos incompletos, que é a chamada incapacidade relativa. Nesse caso, para o menor celebrar um contrato é necessário que este seja assistido pelo seu representante legal para o ato ter validade. Ele não pratica o ato pessoalmente, mas assistido (o representante também assina o contrato). Essa é a diferença.
A título de curiosidade, o Código Civil também enquadra no rol dos relativamente incapazes os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, os que possuem discernimento reduzido por deficiência mental e os excepcionais com desenvolvimento mental incompleto.
Quanto aos menores de 16 anos, os desprovidos de discernimento em virtude de enfermidade ou deficiência mental, a lei os chama de absolutamente incapazes. Estes sempre serão representados em todos os atos jurídicos através de curador ou tutor, conforme o caso, haja vista a imaturidade e impossibilidade de exprimir a vontade.
Portanto, falar que uma pessoa é maior e capaz significa dizer, em tese, que essa pessoa é maior de 18 anos e possui capacidade plena para praticar atos da vida civil. Dissemos em tese, porque a emancipação é justamente a exceção, onde uma pessoa menor de 18 anos poderá ser plenamente capaz e praticar os atos pessoalmente. É o que vamos tratar em seguida.

EMANCIPAÇÃO – O QUE É

Partindo da premissa levantada no tópico anterior, a emancipação nada mais é que uma antecipação da capacidade civil plena, onde o menor adquire capacidade para praticar atos pessoalmente, mediante autorização de seus responsáveis legais, de um juiz, ou ainda por ocorrência de fato previsto em lei.
Como visto pode-se afirmar que a emancipação poderá se fazer por 3 modos: a) emancipação voluntária; b) emancipação judicial ou c) emancipação legal.

a) Emancipação voluntária

A emancipação voluntária é a mais comum. É a que decorre da concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro. Percebe-se aqui a real vontade e concordância dos pais em realizar o ato da emancipação do filho, isto é, não poderá haver discordância de vontade parental.
Caso um dos pais não concordar com a emancipação, o Juiz poderá autorizá-la caso o motivo da recusa não tenha justificativa. Esse ato é chamado de suprimento judicial.
Porém, existe um requisito legal objetivo do futuro emancipado ter no mínimo 16 anos completos.
Todo procedimento é feito em cartório, através de uma escritura pública, não havendo necessidade de homologação judicial para tanto.

b) Emancipação judicial

Emancipação de Menor - Como fazerNa falta dos pais ou em caso destes estarem destituídos do poder familiar, a emancipação poderá se dar por meio de sentença judicial, após ser ouvido o tutor do menor.
Ou ainda, caso haja divergência entre os pais (um quer emancipar e o outro não), o caso deverá ser levado ao Poder Judiciário para ser julgado.
Em ambos os casos requer-se que o menor tenha no mínimo 16 anos completos.
Após a sentença, o juiz irá comunicar o oficial do cartório para proceder o registro.

c) Emancipação legal

A emancipação legal se dá de forma automática, quando as situações previstas na lei civil (Art. 5º, p.u., incisos I a V do Código Civil) são alcançadas. São 4 as formas de emancipação legal:

I) Pelo casamento

Como já tratamos no artigo sobre o casamento civil, toda pessoa poderá contrair casamento a partir dos 16 anos, desde que autorizados pelos pais ou tutores. A partir do momento que o pai autoriza seu filho menor a se casar, tacitamente está autorizando a sua emancipação, para que tenha capacidade plena para iniciar uma nova família. Ilógico seria o contrário, permanecendo o vínculo parental mesmo após o matrimônio.
Importante destacar que essa regra, por objetiva previsão legal, só se aplica ao casamento, isto é, não se aplica à união estável.

II) Pelo exercício de emprego público efetivo

Esta hipótese de emancipação legal, com o advento do Código Civil de 2002, tornou-se peso morto, visto que atualmente é raro a lei permitir o provimento de emprego público efetivo antes dos 18 anos (quando a capacidade civil plena é alcançada).

III) Pela colação de grau em curso de ensino superior

Novamente esta espécie de emancipação legal ocorrerá muito raramente, considerando a extensão do ensino fundamental e médio do sistema educacional brasileiro. Caso um superdotado venha a colar grau antes dos 18 anos, estará emancipado.

IV) Pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Neste caso, adquire a emancipação o menor de 16 anos que se estabelecer como comerciante ou que tenha relação empregatícia nos moldes da CLT, desde que, para esses dois casos, adquira economia própria, isto é, tenha meios financeiros próprios para se sustentar, não precisando dos pais.

Emancipação é ato irrevogável

Cumpre destacar ainda que o ato de emancipação é irrevogável. Por exemplo, se um jovem com 16 anos se casa e após um ano esse enlace é dissolvido pelo divórcio, separação judicial ou pela morte, ele não retorna para o status de incapaz.

COMO FAZER A EMANCIPAÇÃO DE MENOR

Emancipação de Menor - Como fazerComo vimos acima, a emancipação voluntária é a que requer a anuência de ambos os pais e deve ser feita por escritura pública em cartório. Confira nosso guia e aprenda como fazê-la.

Documentos Necessários

Dos pais:
  • Carteira de identidade
  • CPF
Do menor:
  • Carteira de identidade
  • CPF (se possuir)
  • Certidão de Nascimento

Requisitos

a) Anuência dos pais – não é um dever dos pais, mas uma vontade.
Obs 1: No entanto, poderá ser concedida por apenas um deles, em caso de falecimento do outro ou se destituído do poder familiar. Nesse caso deverá ser apresentada uma certidão que comprove a situação.
Obs 2: Também poderá ser concedida em caso de ausência de um dos pais, isto é, caso não se tenha notícia e nem seu paradeiro. Esta informação deverá ser declarada na escritura.
Obs 3: Caso haja divergência quanto a vontade dos pais (um quer e o outro não), a emancipação não poderá ser feita no cartório, mas através de ação judicial específica. Procure a Defensoria Pública local ou o patrocínio de um advogado, neste caso.
b) Ter o menor, no mínimo, 16 anos de idade.

Onde e como fazer

A emancipação é feita em duas etapas:
1. Primeiro deve ser feita por meio de escritura pública no Cartório de Notas.
2. Em seguida, a escritura lavrada deve ser levada para registro no Cartório de Registro Civil da comarca onde residir o emancipado, para irradiar efeitos contra terceiros.
Bastam os pais e o menor se dirigirem ao Cartório de Notas, portando os documentos necessários e lavrar a escritura. Em seguida esta deve ser levada a registro no Cartório de Registro Civil da mesma comarca onde reside o menor.

Qual o preço para emancipar um menor

O custo da escritura pública e do registro variam para cada Estado. A título de exemplo, no Estado de Minas Gerais o valor da escritura pública é de R$ 33,22 e para registrá-la no Cartório de Registro Civil é cobrado R$ 42,91.
Entre em contato com o Cartório de Notas e de Registro Civil da sua cidade e informe-se sobre as custas. Você pode encontrar o endereço e telefone de todos os cartórios do Brasil lendo este artigo: Não perca tempo! Saiba como localizar todos os cartórios do Brasil.

Em quanto tempo fica pronta a emancipação?

Como a emancipação é feito por escritura pública lavrada no Cartório de Notas, fica pronta na hora.

Fontes:
  • Gagliano, Pablo S. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral. v.I. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
  • Código Civil de 2002.