domingo, 30 de agosto de 2020

NUMERAIS: FEMININO, PLURAL, VÍRGULA, MIL

 --- Gostaria de saber se existe plural para os números cardinais. Se sim, em que casos? Quando são substantivos? Exemplos: Todos os setes devem ser retirados dos baralhos. O que é a prova dos noves? Os vinte e uns vereadores foram eleitos pelo povo. Todos os trezentos e cinquenta e uns deputados foram eleitos pelo povo. Nilson Costa, Sorocaba/SP


Apenas dois tipos de numeral cardinal variam em gênero: um e dois e as centenas a partir de duzentos. Portanto, têm feminino:


um – uma ;  dois – duas

trezentos – trezentas (até) novecentos – novecentas  


O #BCCCV esclarece:



Isso quer dizer que os numerais cardinais – como tais – não têm plural, exceto milhão, bilhão, trilhão etc. Voltando ao exemplo do leitor, o correto é:


Todos os trezentos e cinquenta e um deputados foram eleitos pelo povo.

Todas as trezentas e cinquenta e uma pessoas foram eleitas pelo povo.


Mas, então, quando é que o numeral de 1 até 999.999 tem plural? Quando ele se converte em um substantivo – processo que se chama de “derivação imprópria”. Em outros termos, é passível de pluralização a representação gráfica de um número:


Todos os setes devem ser retirados do baralho. [entende-se: os números 7]

Não é preciso colocar tantos zeros à direita. [tantos números 0]

Vamos tirar a prova dos noves fora.

Joãozinho, você pode “pescar” quantos 20 [leia-se vintes] você quiser.

O oito estava ilegível no carimbo; os oitos estavam ilegíveis.


--- Duas mil e oitocentas pessoas pode? Roberto Carvalho, Salvador/BA


Pode. Como acabamos de ver, é necessário fazer a concordância de dois e das centenas com o substantivo, independentemente do acréscimo do numeral mil:


Dois mil e oitocentos homens foram contratados como boia-fria.

Duas mil e oitocentas pessoas aplaudiram o candidato.

Cinco mil e duzentas urnas serão vistoriadas por mil funcionários.


--- Gostaria de saber como escrever por extenso a porcentagem de um número com casas depois da vírgula. Como exemplo: 49,65% (quarenta e nove, sessenta e cinco por cento) dos eleitores... A palavra vírgula aparece escrita ou representada pelo seu sinal gráfico apenas? Ana Christina da Silva, Florianópolis/SC


Quando acompanha a citação por extenso, a vírgula não é representada pelo sinal gráfico; ela deve ser grafada por extenso, podendo ser também abreviada:


Quarenta e nove vírgula sessenta por cento dos eleitores votaram.

Das pessoas infectadas, 84,16% (oitenta e quatro vg dezesseis por cento) apresentam os sintomas.


--- É correto escrever hum mil reais em cheques ou documentos? L.S., Guarulhos/SP


Escrever “hum mil” é fórmula apenas usada na atividade bancária; isso porque os bancos assim o exigem, para evitar falsificações nos valores escritos à mão. Mas gramaticalmente falando, a grafia por extenso de R$ 1.000,00 é mil reais.  E assim (sem “um” e muito menos “h”) deve constar nas sentenças, acórdãos e outros documentos quando se escreve tal importância por extenso dentro dos parênteses, conforme recomendam as técnicas jurídicas:


Aduziu o apelante que as prestações mensais de R$ 1.240,00 (mil duzentos e quarenta reais) não foram pagas no prazo.


Maria Tereza de Queiroz Piacentini

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

ORTOGRAFIA: POR QUE; PORQUE:

 Inúmeros leitores têm perguntado a respeito do uso graficamente correto dos porquês brasileiros, já tratados na coluna Não Tropece na Língua 37. Digo “brasileiros” pelo fato de no Brasil termos uma grafia um pouco diferente da de Portugal nesse ponto. Vamos então rever o esquema de uso dos porquês em nosso país.

O #BCCCV informa:


1) Usa-se POR QUE (preposição + pronome relativo) em perguntas diretas e indiretas; observe-se o acento circunflexo no “que” antes do ponto de interrogação:


Você pode nos dizer por que não devemos tirar proveito da boa pontuação?

Por que as mulheres ocupam tão poucos cargos políticos?

Brizola não aceitou o cargo por quê?

Por que quando se fala em inclusão social feminina se fala também em acesso ao mundo digital?

Nós, sim, temos o dever de perguntar por que não lhes deram opção de vida.


2) Usa-se POR QUE em frases afirmativas/negativas, como complemento (objeto direto) de verbos como mostrar, justificar, saber, explicar, entender e outros:


Ninguém explica por que os preços não caem.

Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, encantou plateias e mostrou por que provoca calafrios nos burocratas de Washington.

Não entendo por que os eletricitários vão entrar em greve.

Este mês a revista Motor revela por que vale a pena comprar um carro 1.6.

Gostaria de saber por que seu filho faltou à aula ontem.


3) Usa-se POR QUE como complemento das expressões EIS, DAÍ, NÃO HÁ:


Eis por que resolvemos fazer a paralisação.

Não pude me preparar, daí por que desisti do concurso.

Não há por que temer mudanças. Esse Brasil já tem regras”, disse o presidente da Valisère.


Nesses três casos está sempre implícita a palavra motivo:


Por que (motivo) as mulheres ocupam tão poucos cargos políticos?

Não entendo por que (motivo) os eletricitários entrarão em greve.

Gostaria de saber por que (motivo) seu filho faltou à aula.

Eis por que (motivo) resolvemos fazer a paralisação.


4) Usa-se PORQUE para iniciar orações explicativas e causais; em tais afirmações e respostas temos uma conjunção, que equivale a POIS (já que, uma vez que, pelo fato de que, como):


É preciso alfabetizar as pessoas digitalmente junto com a superação do analfabetismo básico, porque não dá tempo de fazer uma coisa antes da outra.

Hoje, a comunidade se assenta em torno do desmatamento porque essa é a única oportunidade de emprego e de renda.

Muitas crianças simplesmente não conseguem aprender porque estão subnutridas.

A agenda social é a praia das mulheres, porque são elas que têm filhos e cuidam da família.


Nos casos em que se aplica a regra do item 4 pode-se colocar uma vírgula antes do “porque”, a indicar o início de uma oração. Já no tocante aos itens 1, 2 e 3 a colocação da vírgula é totalmente imprópria, para não dizer impossível.


Maria Tereza de Queiroz Piacentini

terça-feira, 18 de agosto de 2020

HÍFEN: BOM DIA e/ou BOM-DIA

 --- Bom dia, Boa tarde e Boa noite – no sentido de cumprimento, têm hífen? Rosilda, Brasília/DF


Não. Quando você simplesmente cumprimenta alguém, escreve sem hífen:


Bom dia, meu pai.

Boa tarde a todos.

Boa noite!


O #BCCCV esclarece:



Usa-se o hífen quando se forma com os dois vocábulos um só, ou seja, um substantivo masculino (até mesmo boa-tarde é subst. masc.) significando “um cumprimento” e que geralmente vem precedido pelo artigo indefinido:


Gostaria de desejar-lhes um bom-dia antes de me retirar.

Deu-nos um boa-noite com muito carinho.

Abraçou-me com um grande sorriso de boa-tarde.


Devo esclarecer que os dicionários só mostram a composição bom-dia, é claro, porque aí se forma um substantivo. Eles não registram frases ou expressões como BOM DIA! BOA VIAGEM! BOM ALMOÇO!  Ou: a bela moça, lindo dia, feliz aniversário... No caso, tanto o Aurélio quanto o Houaiss trazem apenas exemplos deste tipo: Deu-me um bom-dia afetuoso; cumprimentou-o com um bom-dia caloroso.


Em suma: é preciso saber interpretar o que dizem os dicionários, observar a classe gramatical das palavras que se está buscando: se é adjetivo, substantivo, advérbio etc.


--- Por gentileza, há hífen em disque-denúncia? E como fica risco-país, risco-Brasil? Leva hífen mesmo? C. H. B., Vitória/ES


Há hífen quando se trata de um substantivo composto, o que é o caso, pois se trata de duas palavras com um significado único: (o) disque-denúncia. Também se hifenizam os neologismos risco-país risco-Brasil pelas mesmas razões de “unidade semântica”. O hífen aí substitui a preposição que deve ligar dois substantivos (na língua portuguesa eles não ficam soltos lado a lado), ou seja: risco do país, risco do Brasil.


--- Qual é o plural de público-alvo? Por exemplo: Em relação aos novos programas lançados, temos que levar em consideração os públicos-alvo a que se destinam. Está certo assim? A. B., Rio de Janeiro/RJ


Está correto, sim, dizer públicos-alvo, assim como se pode pluralizar os dois termos: públicos-alvos. Trata-se do mesmo caso de situações-problema, horas-aula, vales-transporte, palavras-chave, atividades-fim, por exemplo, que também podem receber o plural nos dois elementos da composição: situações-problemas, horas-aulas, vales-transportes, palavras-chaves, atividades-fins.


A regra geral de formação do plural de um substantivo composto por substantivo + substantivo é flexionar os dois elementos: couves-flores, decretos-leis, diretores-presidentes, Estados-membros, matérias-primas, obras-primas, democratas-cristãos, cirurgiões-dentistas, médicos-legistas, diretores-proprietários, tios-avós.


Contudo, quando o segundo substantivo limita a significação do primeiro, é possível (e até mais usual) pluralizar apenas o primeiro substantivo, como se entre as duas palavras houvesse uma preposição no lugar do hífen (ex. fichas-controle = fichas para controle; horas-aula = horas de aula) ou “que serve de” (cartas-convite = cartas que servem de convite). Essa possibilidade se aplica apenas aos substantivos compostos que encerram uma ideia de finalidade, semelhança, forma, relação, tipo ou espécie. Mais exemplos: vales-refeição, mulheres-bomba, escolas-modelo, células-tronco, laranjas-pêra, caminhões-tanque, pontos-base, tanques-rede, situações-chave, datas-limite, zonas-núcleo.


Maria Tereza de Queiroz Piacentini