sexta-feira, 21 de maio de 2021

PORÉM: Conjunção Adversativa (USO)

 --- Os manuais de redação afirmam que não se pode iniciar oração com porém. Por quê? Solange Loos, Curitiba/PR

 

--- Nunca se usa porém em início de parágrafo? Todas as gramáticas condenam tal uso ou há alguma brecha para usá-lo? N. N. R., Brasília/DF

O #BCCCV esclarece:


 
Temos aqui duas questões: o uso de porém no início da oração e do parágrafo. Não há jornal ou revista que não contenha pelo menos uma frase ou oração iniciada pela conjunção adversativa “porém”. Isso faz parte da nossa escrita, sempre fez. Dois exemplos: 
 
O lançamento dessa medicação é um avanço, porém a reportagem não comentou o seu preço. 
 
Vence quem ganha mais e cede menos. Porém, ceder é preciso. 
 
Assim, não vejo razão para uma afirmação deste tipo: “Porém: Não inicia oração e, por isso, deve aparecer no interior dela”. Pode-se até dizer que essa conjunção fica elegante, talvez requintada, quando aparece no meio da oração (p. ex., “Ceder, porém, é preciso”), mas não que essa deva ser a regra.
 
E já que se trata mais de estilo do que de erro, que Gladstone Chaves de Melo tome a palavra. O conhecido professor mineiro-carioca, doutor em língua portuguesa e autor de mais de 30 obras, em seu livro Iniciação à Filologia Portuguesa (1957,  p.353) faz as seguintes ponderações no capítulo “Como se deve estudar a língua”:
 
“Todo o ensino da língua deve consistir em apurar o sentimento da linguagem. Mostrar o que está certo, chamar a atenção para o que está bem [...] Aprimorar o gosto, despertar e fomentar o senso de distinção, exercitar a plasticidade da inteligência, para fazer compreender que para cada uso linguístico há uma linguagem especial, de tal modo que não é possível estabelecer esquemas rígidos, grosseiramente aplicáveis a todos os casos [...].
“Se alguém traz no bolso do colete a regra seca de que não se começa a frase por pronome oblíquo, como poderá apreciar a beleza daqueles versos do Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, quando Anchieta encontra uma índia cismarenta, lhe dirige a pergunta: ‘O que fazias, filha’?, e ouve como resposta: ‘Me lembrava dessa criança’? [...]
“Se alguém levou a sério a lição veiculada por Cândido de Figueiredo de que ‘não é bem português’ a colocação de porém no início de frase – não obstante as centenas de exemplos em contrário, desde os mais antigos até os mais modernos textos –, se alguém levou a sério a cerebrina teoria, não poderá saborear devidamente a beleza desta construção de A cruz mutilada, de Herculano: ‘Porém, quando mais te amo...’ ”
 
Quanto à segunda questão, de fato não convém iniciar parágrafo com porém, mas e senão, que são as adversativas por excelência. Se essas três conjunções têm valor adversativo, isto é, exprimem a incompatibilidade das ideias envolvidas, elas devem estar ligadas de imediato ao enunciado anterior, dando pois sequência à afirmação principal ou tópico frasal do parágrafo, embora com ideia de oposição, contrariedade.
 
As outras assim chamadas conjunções adversativas [portanto, entretanto, contudo, todavia, não obstante] são na verdade “advérbios que estabelecem relações interoracionais ou intertextuais” (Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2001:322), podendo por isso dar início a um novo parágrafo, ao contrário de mas e porém.

 


Maria Tereza de Queiroz Piacentini 

REGÊNCIA e outros:

 -- A cerveja que desce redondo ou redonda? C. B. M., Londrina/PR

 

O #BCCCV esclarece:

O assunto voltou à tona quando começou a circular nova frase: “Beber redondo é beber com responsabilidade”. Está correto usar, em ambos os casos, a forma redondo, pois aí o adjetivo “redondo” está sendo usado como advérbio de modo, a modificar o verbo, como se fosse “redondamente”. Neste caso ele fica neutro, ou seja, no masculino singular, ainda que um eventual substantivo na mesma oração esteja no feminino ou no plural, pois – repetindo – não é ao substantivo que esse tipo de adjetivo-advérbio se refere, mas sim ao verbo. De outra parte, não se pode dizer que a cerveja é redonda. 
 
Usar o adjetivo adverbialmente é prática bastante usual em português, como se vê abaixo:
 
Agiu certo. 
 
Jane saiu leve.
 
Ande rápido, por favor.
 
Paulo pisou firme.
 
Os idosos pediram que falássemos alto.
 
Resolveu investir pesado na área de ecoturismo.
 
O programa corrige automaticamente informações digitadas errado.
 
O governo tem caminhado lento nas negociações.
 
Quem estacionar na Zona Azul sem cartão será multado direto.
 
É como se disséssemos: “Agiu acertadamente. Saiu com leveza. Pisou firmemente ou com firmeza. Ande rapidamente. Falamos em voz alta. Resolveu investir muito ou maciçamente. Informações digitadas de modo errado/erradamente. Tem caminhado lentamente. Será multado sem apelação”.
 
Ver também, sobre o assunto, a coluna Não Tropece na Língua 26.
 
 
--- Gostaria de saber a correta regência do verbo constar.  G. C., Belém/PA
 
--- Quando devemos usar constar de e constar no, na ou em? Ex: Meu nome está constando na lista de aprovados ou da lista de aprovados? Veja se meu nome consta na ou da lista? Grace C. F. Deana, Brasília/DF
 
As duas preposições – de e em – são corretas quando se usa o verbo constar com o sentido de “estar escrito, registrado ou mencionado” ou “fazer parte, incluir-se”:
 
Seu nome consta da lista de aprovados.
 
Consta nos autos que... Consta dos autos que...
 
Tal vocábulo nunca constou nos dicionários.
 
Vou fazer constar o incidente em meu relatório.
 
O ideal seria que nesse caso só se usasse o complemento regido da preposição em, mas de qualquer modo se aceitam as duas formas. Já quando constar tem o significado de “ser composto, constituído ou formado; consistir em algo”, usa-se apenas a preposição de:
 
Os Lusíadas constam de dez cantos.
 
A casa que alugamos consta de peças grandes e arejadas.
 
Seu relatório constava de 50 páginas, mas teve de reduzi-lo a 35.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini