sexta-feira, 30 de novembro de 2018

COLOCAÇÃO PRONOMINAL e VÍRGULA (3)

Perguntaram-me se “não se pode colocar pronome átono depois da vírgula”. O que posso afirmar é que a vírgula, por constituir uma pausa, predispõe à ênclise, mas não a obriga. É possível escrever como o escritor Luandino Vieira: “A sua prima Júlia, do Colungo, lhe mandou um cacho de bananas”, ou preferir a ênclise depois de um termo virgulado, como por exemplo um advérbio, que de outro modo atrairia o pronome:

Agora, reconheço-a

Aqui, como sempre, trabalha-se muito. 

Finalmente, dispôs-se a me ouvir. 

Por fim, peço-te perdão.
O BCCCV esclarece:



No entanto, se depois da vírgula houver um verbo numa das formas chamadas de futuro, que não toleram posposição de pronome oblíquo, deve-se deixar o pronome na frente do verbo:


Desconhecia as normas de uso e, por isso, as utilizaria sem distinção.  [em vez de  *utilizaria-as ou do complicado utilizá-las-ia].


Já na frase “Não demorou a definir um tipo de arte que, embora tenha ganho feições diferentes nos últimos anos, se manteve/ manteve-se fiel a uma visão transfiguradora do real”, tanto se pode usar a próclise porque o relativo que, embora distante, atrai o pronome, como se pode preferir a ênclise em razão da pausa marcada pela vírgula.


A propósito, gostaria de chamar a atenção das pessoas que gostam de usar a ênclise, sobretudo com as locuções verbais, em que teoricamente o pronome oblíquo pode ocupar quatro posições: tomem cuidado quando antes da locução aparece um que, quem, quando ou outro termo que atraia o pronome. Aí a ênclise passa a ser erro, pois o que prepondera é a palavra atrativa. Escreva, então:


- em vez de A briga *que foi-se* armando: briga que se foi armando/ que foi se armando /que foi armando-se

- em vez de Espero *que deixes-me* ser eu mesmo: que me deixes ser eu mesmo

- em vez de Não sei *quando vou-te* encontrar: quando vou te encontrar/ quando vou encontrar-tequando te vou encontrar

- em vez de Já disse *que pretendo-lhe* pagar logo: que pretendo lhe pagarque pretendo pagar-lheque lhe pretendo pagar...


Para finalizar, relembremos um relato de Sebastião Nery, publicado na Folha de S. Paulo em 18.2.81 e posteriormente transcrito por Celso Luft no jornal Correio do Povo:


          O deputado Teixeira Coelho, do Maranhão, fiel ao purismo linguístico de São Luís, a Atenas brasileira (que depois do Sarney virou a apenas brasileira), ficou indignado:
               – Deputado Flores da Cunha, V. Exa. não pode estar nesta Casa, onde se deve primar pela pureza da língua, a cometer esses deslizes de pronome fora do lugar, começando os períodos.
               – Isso é coisa de importância menor, deputado. O principal é a ideia.
               – Desculpe, Exa., mas não é. Lá em São Luís não admitimos isso em estudante de ginásio.
          Flores da Cunha deu uma baforada, olhou lá de cima com total desprezo:
               – Senhor deputado, lá no Rio Grande a gramática é livre, como livre são os pampas e o minuano, como é livre o gaúcho.
               – Mas não está dispensado de respeitar a língua.
               – Ora, deputado, quem é V. Exa. para corrigir minha linguagem?
               – Sou um deputado, como V. Exa.
               – Mas sem autoridade nenhuma para falar de pronomes. V. Exa. é o próprio pronome mal colocado. V. Exa. é um pronome errado.
               – Não entendi, deputado.
               – Olhe sua carteira de identidade. V. Exa. é "Teixeira" Coelho. Em nome do purismo da língua deveria chamar-se "Xeira-te" Coelho.
          O Teixeira calou.


Sobre o assunto "colocação pronominal", ver também as colunas Não Tropece na Língua 201 a 203.  


Maria Tereza de Queiroz Piacentini

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

ACENTUAÇÃO: OXÍTONAS

sabiá não sabia nadar.

Pelé sofreu um ferimento na pele.

Em maio não se usa maiô.

O BCCCV informa:


Observe que as palavras sabiá, Pelé maiô foram acentuadas para que pudessem ser lidas corretamente. Sem o acento, nós as leríamos como paroxítonas: saBIa, PEle, MAIo (a penúltima sílaba forte). Por que Telê tem acento? Porque a pronúncia é diferente de tele (telecomunicações). O coco-da-baía, por exemplo, não precisa de acento, pois é um paroxítono natural, como soco, bolo, tolo, mofo. A exceção é que deve ser acentuada (cocô).

Oxítonas são chamadas as palavras cujo acento tônico cai na última sílaba.

1. Assinalam-se com acento agudo ou circunflexo os vocábulos oxítonos que terminam em A, E, O seguidos ou não de S:

Iaiá ia ao parque comigo.

Na sua casa tem um pé de cajá.

Pepe veio receber seu cachê.

Vi jacarés nadando no rio.

Acabou o jogo de dominó.

Seus dois avôs usavam chapéu-coco.

Nesta regra se incluem as formas verbais seguidas de pronomes: contá-lo, amá-la, dizê-lo, magoá-las, marcá-la-ei, fá-lo-á, fê-los, movê-las-ia, pô-los, qué-los, dá-nos, etc. (ver também Não Tropece na Língua 251).

2. Marca-se com o acento agudo o E da terminação em ou ens:

Tem alguém aí?

Os que eram louvados são agora mencionados com desdém.

Vários nenéns foram doados ilegalmente.

É necessário colocar acento gráfico na última sílaba de palavra acabada em EM (ou seu plural ENS) para ela não ser lida como paroxítona, como em: forem, morem, desdenhem, cosem, acalmem, bebem, cedem etc. (verbos) ou imagem, imagens, garagem, plumagem, nuvem, item, itens, hifens, liquens, jovens, totem (substantivos) etc. Quando a palavra é monossílaba, o acento não é necessário: nem, vem, sem, tem, cem, quem, bem, trem, tens, vens, bens.

3. Usa-se o acento agudo nas palavras oxítonas com os ditongos abertos éis, éu(s) ou ói(s): anéis, corcéis, fiéis, papéis; céu, chapéus, ilhéus, véu; constrói, corrói, destrói, herói, sóis.

4. Terminação em I e U. Observe:

Aqui estão os livros. Desculpe, não quis feri-lo. Chamou à parte os gurupis.

O urso-panda come bambu. Vendem-se perus congelados. Eles parecem urubus.

Não há necessidade de acentuar graficamente aqui, feri-lo, gurupis, bambu, peru, urubus, por exemplo, porque pronunciar fortemente a última sílaba de palavras terminadas em i u é o natural. Mas repare que em todos os exemplos o ou o formaram sílaba com outras letras (qui, ri, pis, bu, rus, bus). Porém, quando o i e o estão sozinhos na sílaba, devem ser acentuados:

Sai já daqui – já saí. Ontem caí da escada como laranja cai do pé. Daí disseram: dai-nos seu perdão. Concluí que o tolo jamais conclui com acerto. Ai, como deve doer aí.
Atravessou a vau carregando um baú. Nas naus portuguesas havia muitos baúsMaus elementos não entram no grupo Emaús.

O hiato, portanto, é a razão de algumas formas verbais serem acentuadas e outras não. Exemplos: atraí-lo, distraí-la, traí-los, construí-la, subtraí-los, distribuí-los, atribuí-lo, destruí-la, instruí-lo, constituí-lo. Mas: admiti-lo, abri-las, adverti-las,  muni-lo, fingi-lo, permiti-nos, garanti-lo, persegui-las, consegui-los.

MONOSSÍLABOS TÔNICOS

Na regra dos oxítonos se incluem os monossílabos tônicos, palavras de uma só sílaba com pronúncia forte. Assinalam-se com o acento agudo os que terminam em a, e, o abertos, e com o acento circunflexo os que acabam em e, o fechados, seguidos ou não de s: pá, pé, pó / pás, pés, pós; dê, dês, vô, vôs; Sé, lá, lê, dá, nó, nós, vó, vós.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini