quarta-feira, 25 de setembro de 2019

CRASE COM OU SEM ARTIGOS POSSESSIVOS?

--- Gostaria de saber sobre o uso de crase antes de pronomes possessivos. É permitido? Existe alguma regra?  W. Castro, Rio de Janeiro/RJ

--- A minha mãe (para minha mãe) tem crase? Sibele Akselrad, São Paulo/SP
O #BCCCV esclarece:


Sabe-se que a crase está condicionada ao uso simultâneo da preposição a com o artigo a; portanto, para ocorrer a crase é preciso que a palavra anterior [um verbo ou um nome] exija a preposição a e o substantivo posterior – que será obrigatoriamente feminino, explícito ou não – admita a presença do artigo definido. Sibele coloca entre parênteses “para minha mãe”, sem o artigo antes do possessivo. Consequentemente, se trocarmos a prep. para por a, não aparecerá o acento: Disse a minha mãe que voltaria cedo.


Entretanto, outros leitores traduziriam esse “a minha mãe” por “para a minha mãe”, o que pressupõe a coexistência da preposição com o artigo definido. Neste caso, escreve-se com o acento indicativo de crase: Disse à minha mãe que voltaria cedo.


Conclusão sabida e regra repetida: o uso da crase antes do pronome possessivo é facultativo. Quer dizer, pode-se omitir o acento que não fica errado. Mas é altamente recomendável usá-lo, pois evita ambiguidades, sobretudo depois de verbos, vejam só:


Favor anexar a sua declaração de isento a sua identidade.


Anexar o que a quê? Deixemos claro:


Favor anexar à sua declaração de isento a sua identidade.

Favor anexar a sua declaração de isento à sua identidade.

Favor anexar a sua identidade à sua petição.

Anexamos à petição o documento solicitado.

Peço que junte à nota para a imprensa a sua fotografia. 


A crase, aliás, é sempre motivo de clareza. Também fica melhor:


À SUA ESCOLHA [título de reportagem sobre imóveis à venda]

O Natal bate à sua porta [propaganda na TV sem o acento!]

Dobre à sua direita.


A bem da verdade, esse tipo de crase só deveria ser dito “facultativo” em relação às regiões do Brasil, já que em alguns Estados não se usa o artigo definido diante do possessivo. Ali as pessoas normalmente dizem: “de minha mãe, de meu pai, minha amiga, para/a minhas tias”, o que em tese as desobrigaria do “a craseado”.  Já em outros lugares o artigo definido é usual: “da minha mãe, do meu pai, com a minha amiga, para as minhas tias”. Esta situação enseja o emprego de à/às: Refiro-me à minha amiga e às minhas tias, por exemplo, em vez de a minha amiga e a minhas tias.


Em Portugal a crase (que é chamada simplesmente de acento grave) com os pronomes possessivos é de lei, pois o uso do artigo definido diante deles é a norma naquele país. Numa biblioteca pública de Porto, em agosto de 2001, li num manual de gramática que era “mania de brasileiro” a dispensa do artigo na frente dos possessivos! No Brasil, de fato, tanto faz.


PLURAL


É preciso ter cuidado com a opção diante de pronome possessivo plural: a alternativa não é as/às, mas sim a/às, pois aí se trata de escolher entre a simples preposição (entendendo-se que não se queira usar o artigo definido antes do possessivo) ou a preposição combinada com o artigo no plural:


Não reconheceu o Estado de Israel por questões políticas ligadas a/às suas relações com os países árabes.


É interessante manter a coerência dentro do texto ou pelo menos dentro da frase:


Passo a suas mãos documento que já é de seu conhecimento.

Passo às suas mãos documento que já é do seu conhecimento

Na casa de minha irmã, eu me referi a minhas dificuldades.

Na casa da minha irmã, eu me referi às minhas dificuldades.


Maria Tereza de Queiroz Piacentini

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

REGÊNCIA: CHEGAR e ATENDER.

--- Qual das formas abaixo é a correta: Estou chegando em Santos ou a Santos? João Francisco, São Paulo/SP

O #BCCCV esclarece:


De acordo com a ciência linguística, as duas estão corretas. A diferença está no nível de linguagem: menos/mais formal. Em princípio, por ser verbo de movimento, chegar rege a preposição a: chegar ao lugar certo/ à frente/ às vias de fato; chegar a uma conclusão etc.

Todavia, no Brasil é frequente o uso da preposição em diante de complemento de lugar, sobretudo cidades, assim como se usa em com o complemento “casa”: chegar em casa. Já no tempo do português arcaico (séculos 14 a 16) havia grande emprego de verbos de movimento com a preposição em no lugar de a. Portanto, nada de novidade em “chegou em São Paulo, chegaram no aeroporto”. Contribui para isso o fato de a ideia de estado e repouso (cheguei em SP = lugar onde estou agora) se sobrepor à de movimento (cheguei a SP = lugar para onde vim). Portanto, é mais formal: estou chegando a Santos; coloquial: estou chegando em Santos.

--- É correto atender às ou as necessidades? Verônica Hirata, Cuiabá/MT

Atender pode ser tanto transitivo direto quanto indireto, ou mesmo intransitivo (por ex. toquei duas vezes mas ninguém atende / esse médico atende bem / ele só atende em casa).

Como transitivo indireto, ele pede a preposição a:

Atenderemos ao pedido na próxima semana.

Atenderemos a quaisquer pedidos via internet.

Lamento não poder atender à solicitação de recursos.

A reitoria atendeu às reivindicações.

O juiz atendeu ao requerimento.

O Papa atenderá aos peregrinos.

Não vou atender a nenhum dos conselhos, mas somente à minha intuição.

Atenda ao telefone, por favor.  [preferência lusitana]

Como transitivo direto, ele é usado sem preposição:

Atenderemos o pedido na próxima semana.

Atenderemos quaisquer pedidos via internet.

Lamento não poder atender a solicitação de recursos.

A reitoria atendeu as reivindicações.

O juiz atendeu o requerimento.

O Papa atenderá os peregrinos.

Não vou atender nenhum dos conselhos, mas somente a minha intuição.

Atenda o telefone, por favor.  [preferência brasileira]

É importante observar que raramente o pronome lhe é utilizado. Ou seja: empregam-se preferentemente as formas diretas (o/a/os/as) quando o complemento verbal é um pronome: 

Comunicamos aos nossos clientes que vamos atendê-los em novo endereço.

Júlia e Jane, vamos atendê-las em seguida. Posso atendê-lo, senhor?

Foram muitas as reivindicações, e a reitoria as atendeu parcialmente.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini

sábado, 14 de setembro de 2019

PRONOMES: LHE, O, A.

--- Tenho alguma dificuldade na construção de frases ou até mesmo na fala quanto ao emprego de: quando "o" ou "a" conheci; "o" ou "a" vi poucas vezes, etc. Gostaria de conhecer a regra gramatical que trata desse tema. Grato. Paulo Moacir, Curitiba/PR

O #BCCCV esclarece:



LHE – objeto indireto, uso formal



A primeira coisa a notar e gravar é que o pronome LHE é a sintetização de a ele/ela ou a você (ou ao senhor e outras formas de tratamento correspondentes), quando a prep. A é insuprimível, pois introduz um objeto indireto. Em outros termos: o pronome LHE só é usado com verbos transitivos indiretos que exijam a preposição A ou PARA. Ele serve tanto para o masculino quanto para o feminino e normalmente se refere a pessoas. Então: falei-lhe = falei a você (não se diz *falei você); disse-lhe = disse a ele; já lhes informaram? = já informaram a vocês?; entreguei-lhe o livro = entreguei a ele [o livro]; mandei-lhe flores = mandei para ela.



O e A – objeto direto, uso formal



Quando não cabe a preposição ou para, significa que o objeto é direto; neste caso o pronome a ser usado para substituir pessoas ou coisas é O para o masculino e A para o feminino: entreguei-o ao bibliotecário = entreguei o livro; entregou-o para as milícias = entregou o refém; mandei-a embora = mandei a moça embora; mandei-as para Celina = mandei flores para ela.



Na linguagem culta é assim que se fala. Ou melhor, é assim que se escreve. Na fala brasileira de todo dia pouco se ouvem tais pronomes oblíquos. Contudo, em textos bem elaborados, em que se pode planejar a escrita, deve-se fazer uso do LHE e do O/A como ensinado. E para isso é preciso um bom conhecimento não só das regras mas também da transitividade verbal.



ELE E ELA – objeto direto, uso coloquial



Basta ligar a televisão e ver uma novela ou assistir a uma entrevista para se constatar o emprego bem brasileiro dos pronomes retos (sujeitos) ele/ela como complemento de verbos transitivos diretos: vimos ele, conheço ela, convenceu eles, deixou ele ir, vou convidar ela, quero aproveitar ela [a oportunidade]. Já com o infinitivo é um pouco mais comum ouvir os pronomes O/A na forma de LO/LA: vou convidá-la, quero ajudá-lo, não queremos deixá-los...



Mesmo bons escritores e publicitários usam tais formas em textos informais, infantis, ou quando descrevem situações coloquiais. Por exemplo, em Mistério do Coelho Pensante, livro infantil lançado em 1967, Clarice Lispector emprega várias vezes construções verbais como tomei ele. Outro exemplo, agora de publicidade: “A distância faz o coração bater de saudade. Uma ligação faz ele disparar.” Como se dirige a um público amplo, “faz ele” tem mais apelo, soa mais natural do que “fá-lo” ou “o faz”.



Aliás, cumpre anotar que esse uso é antiquíssimo. Há registros no português arcaico: “E o senhor disse... que enforcariam ele” (Coutinho, I.L. Gramática Histórica. RJ: Liv. Acadêmica, 1968, p.67).



LHE – objeto direto, uso informal



Por último, mencionemos a tendência atual dos brasileiros em transformar O/A em LHE. Essa invasão de área está acontecendo porque: 1º) o O tem pouco corpo fonético, baixa audibilidade, e portanto comunica mal; 2º) no conjunto dos pronomes oblíquos, LHE se encaixa melhor do que O: me, te, se, lhe, com a vogal (e) apoiada por consoante, em vez de uma só vogal (o, a), formam uma sequência mais espontânea. E se os três primeiros podem funcionar também como objeto direto, por que o lhe não poderia? – é a pergunta que parece saltar à mente. Vai daí que já não soam erradas frases assim: “Amigos fazem você sorrir e lhe dão apoio; eles lhe elogiam e têm o coração aberto para você”.



De qualquer modo, o correto pela norma padrão é “eles o elogiam, eu o vi (ou: eu vi você), não a conheço, espero convencê-lo”, e não “eu lhe vi, não lhe conheço, espero lhe convencer”.



Além disso, parece que O/A se refere apenas a ele/ela, e LHE a você, até pela semelhança com TE. Para exemplificar, cito o diálogo de uma crônica do escritor Amílcar Neves publicada no jornal Diário Catarinense. A voz feminina sussurra: “Vou deixá-lo definitivamente.” Ele se surpreende: “Deixar-me?” Ela esclarece: “Falei que ia deixá-lo, e não que ia deixar-te.” E o autor põe sua sutil ironia na réplica do rapaz: “É verdade, desculpa-me. Português nunca foi o meu forte...



Lembro que, apesar de tudo, nos vestibulares e concursos para empregos públicos buscam-se pessoas com o domínio da língua culta, que saibam aplicar formalmente esses pronomes.


Maria Tereza de Queiroz Piacentini 

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

REGÊNCIA VERBAL:

-VERBOS: NAMORAR, CONDENAR, LEMBRAR, PRECISAR: 

-- O verbo namorar é intransitivo? Está correto eu dizer: José namora com Maria? G., Itajubá/MG

A regência gramatical do verbo namorar é SEM a preposição, e é essa a exigida em alguns concursos. Em outros termos: de acordo com a norma-padrão, o verbo namorar é transitivo direto. Mas modernamente, por analogia e tendo por modelo casar com noivar com, também se usa o verbo namorar preposicionado (transitivo indireto). Portanto, ambas as regências devem ser aceitas como corretas:

José namorou muitas moças.

José namora com Maria.
O #BCCCV esclarece:


Como intransitivo – isto é, sem complemento verbal – o verbo namorar pode ser utilizado no sentido de “andar de galanteios, ter namorado(a)”:

Maria namorou uma única vez na vida.

--- Sempre tive dúvida quanto à regência do verbo condenar. Ele pede a preposição em ou a? Assim, qual seria a construção correta: O juiz condenou-o AO ou NO pagamento de R$ 1.000,00? Gabriela S. de Souza, Florianópolis/SC

No sentido de “sentenciar, proferir sentença condenatória contra”, este verbo é transitivo direto (de pessoa) e indireto: condenar alguém a. Exemplos: O juiz o condenou ao pagamento de mil reais/ condenou-o à prisão perpétua / foi condenado a degredo / condenou a ré a dois anos de prisão / condenou-as ao cumprimento de pena compatível com o crime perpetrado.

A preposição em pode ser usada apenas com complemento de tempo especificado: O juiz condenou-o em 20 meses de prisão/ em nove anos de prisão. Se não mencionar número específico e em qualquer dos outros casos, portanto, empregue a preposição a.

--- Precisar é transitivo direto, indireto ou bitransitivo? Eu preciso dinheiro ou preciso de dinheiro? Preciso estudar ou preciso de estudar? Márcio da Silva Florencio, Joinville/SC

É tudo isso, Márcio. E todos os seus exemplos estão corretos. Contudo, o mais usual no Brasil contemporâneo é:

- usar a preposição quando o complemento verbal é um substantivo ou pronome:
Preciso de dinheiro. Preciso de você.

- omitir a preposição quando o complemento é um verbo no infinitivo:
Preciso ir. Precisamos sair já.

--- Tenho dúvidas acerca do uso do verbo lembrar. Sei que quando o verbo é transitivo direto, não cabe “lhe”, e sim “o”. Ex.:eu o conheço ao invés de eu lhe conheço. Mas na frase: Lembro-lhe que as precauções foram tomadas, devo colocar Lembro-o que as precauções foram tomadas? Carlos Augusto Albuquerque, São Paulo/SP

O verbo lembrar pode ter objeto direto de pessoa e indireto de coisa – você lembra alguém de alguma coisa: (1) Devo lembrá-lo de que todo cuidado é pouco.

E também pode ter objeto direto de coisa e indireto de pessoa (não necessariamente nessa ordem) – você lembra alguma coisa a alguém: (2) Devo lembrar-lhe que sua missão ainda não terminou.

Acontece que a preposição de pode ser omitida na frase (1), conforme ensina Celso Luft no seu Dicionário Prático de Regência Verbal: “A sequência lembrar-se de que... faculta a elipse da preposição: ‘Não se lembra a sogra que já foi nora’ (Prov.), i. é., ...de que já foi nora.” Então, é essa omissão da preposição que pode dar a falsa noção de dois objetos diretos na frase “Lembro-o que as precauções foram tomadas”, que apesar de tudo continua correta.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini