segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PESSOA HUMANA?!? REÚSO ou REUSO?!? VER OU VIR?!? REAVIU OU REAVEU?!?


  • Ouço a toda hora a expressão “pessoa humana” dita por gente acima de qualquer suspeita. Não seria uma danada de uma redundância? Cao Hering, Blumenau/SC




Aparentemente, “pessoa humana” é uma redundância. Ou “pessoa” ou “ser humano” – basta um ou outro. Mas então por que é que em textos jurídicos, sobretudo na área de Direitos Humanos, encontram-se os dois termos juntos? Vejamos um exemplo:

Procura-se psicopata que vá à televisão pedir desculpas por torturas, como se esses atos de supremo agravo aos direitos da pessoa humana fossem perdoáveis venialmente.




  • DICA JURÍDICA: A explicação está em que neste caso é necessário distinguir a pessoa de direito privado ou pessoa jurídica (que seria uma sociedade, uma empresa, uma organização), que também tem seus direitos e pode sofrer danos, da pessoa física, que é a pessoa natural ou pessoa individual: o sujeito de direitos pelo fato de pertencer à espécie humana.


  •  A palavra reuso é acentuada? Claudia Rodrigues do Nascimento, Fortaleza/CE

A palavra reuso tem hífen? Roseana Rodrigues, São Paulo/SP

Não tem hífen, mas tem o acento gráfico para marcar a sílaba tônica no U: reúso. Sem acento você pronunciaria o eu como ditongo /reu/, e não como hiato, em que o u é pronunciado sozinho numa sílaba: /re-ú-so/. Se fosse grafado “reuso”, uma pessoa desavisada (já que é novidade e não aparece nos dicionários) poderia ler /reu-so/ como se lê deusa e Neusa. Este vocábulo tem sido utilizado geralmente em relação aos recursos hídricos:

O uso controlado e o reúso da água estão contemplados na nova política ambiental da instituição.

  •  Quanto ao uso dos verbos, estas frases estão corretas? Ele reaveu os bens que havia perdido. Se ele ver você na rua, não ficará contente. W.R.C., Araçatuba/SP



Quanto à primeira frase, nem *reaveu, nem *reaviu, pois o verbo reaver deriva de haver [re + haver sem o h], e não de ver. Ele é conjugado somente nas formas em que a letra aparece nas flexões do verbo haver. Por exemplo, no tempo presente conjuga-se hei, hás, há, havemos, haveis, hão. Então, no caso de reaver, só temos as formas reavemos e reaveis. Trata-se de um verbo defectivo. Não existe o subjuntivo presente nem o imperativo. Nos outros tempos, segue-se o verbo haver, como foi dito:

Ele reouve, logo, os bens que havia perdido.

Se os rebeldes reouvessem as armas que lhes tiramos, voltariam a atacar.

  • A segunda frase – Se ele ver você na rua, não ficará contente – contém uma impropriedade linguística do ponto de vista da norma culta ou da língua-padrão, já que o verbo ver é irregular, devendo ser conjugado assim no futuro do subjuntivo: se/quando eu vir, vires, vir, virmos, virem. Na hora de falar, poucas pessoas o usam assim. Porém, numa linguagem mais monitorada é solicitada essa conjugação, como nos seguintes exemplos:


Se eles virem você na rua, não ficarão contentes.

Quando eu vir o João, vou lhe dar o recado.

Por favor, diga à sua diretora, se você a vir ainda hoje, que o relatório está pronto.

Se não nos virmos mais, boa viagem!




(Vozes da Língua Brasil)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DÚVIDAS JURÍDICAS: Plúrimo ou plurimo?


  • Por questão meramente prática, sempre escrevi a palavra PLÚRIMA acentuada. É assim que escrevo para me referir a um ‘tipo’ de ação na esfera trabalhista ou para indicar a pluralidade de devedores, credores ou de obrigações, por exemplo, na esfera cível. Contudo, lendo alguns textos em jornais, internet etc. tenho notado que alguns escrevem PLURIMA, ou seja, sem  acentuação. A forma correta é com ou sem acento? Natanael Vieira dos Santos, São Paulo/SP




Para começar, vejamos o que significa a palavra plúrimo, pois ela é praticamente desconhecida fora do âmbito jurídico e não consta nos dicionários como vocábulo em português. Quando se quer fazer menção a uma pluralidade ou multiplicidade de situações ou coisas, tem-se usado o termo latino PLÚRIMO em vez de múltiplo, ou seja, aquilo que comporta mais de um elemento, como nestes exemplos:

A dissertação trata da cidadania plúrima como reflexo da competição entre sistemas-Estados.

“Da própria natureza do direito de propriedade decorre, antes de mais nada, que um domínio plúrimo não pode existir sobre uma e mesma coisa, plúrimo não no sentido de formas diversas de propriedade (...), mas no sentido de várias propriedades iguais e igualmente plenas sobre a mesma coisa.”

Geralmente a decisão é proferida por uma Junta de Conciliação e Julgamento em dissídio individual ou plúrimo, exercendo o tribunal mera revisão recursal.

Há certas relações jurídicas com diversos titulares ativos ou passivos (daí a legitimidade plúrima) que, pela sua própria natureza, não comportam cisão.

A origem do termo é o latim “plurimus, a, um”, que é o superlativo de “multus” (muitos), trazendo o dicionário latino a significação de “muito numeroso, ou o mais numeroso ou muito abundante, o mais abundante”.

Adaptada ao português, a palavra plúrimo deve ser acentuada para que se informe a leitura correta, pois do contrário um desavisado pode lê-la como paroxítona: /pluríma/. Ocorre a mesma questão de acentuação com as palavras latinas deficit, superavit, alibi, habitat, forum, por exemplo, que não sendo mais escritas com grifo em itálico ou aspas acabaram recebendo um acento gráfico no seu processo de aportuguesamento: déficit, superávit, álibi, hábitat, fórum.

  • Li num Código de Processo Civil comentado as seguintes frases: Não se há cogitar..., se há verificar é que..., não há mais aplicar o artigo. Pergunto: as três formas estão corretas? Obrigada. Maria Cristina, São Paulo/SP


Não vejo como abonar tal uso numa linguagem atual e elegante. Nos casos acima ou falta a partícula COMO, ou falta um DE. São sintaticamente boas e corretas estas frases:

Não há que se cogitar em mudar a função criadora do juiz.

Não há como se cogitar em mudar a função criadora do juiz, que não é um porta-voz da vontade do legislador. 

Não se há de cogitar em mudar a função criadora do juiz.

Pois há de se verificar que houve imprudência e má-fé.

Não há mais como aplicar o artigo, argumentou o advogado.

Não sendo a empresa ou o estabelecimento sujeitos de direitos, não há como falar em sucessão de empresas. 

Não há como se falar em nulidade do julgamento por falta de intimação.

Não há que se falar em nulidade do julgamento.

Não há como negar à jurisprudência e à doutrina a condição de fontes mediatas do Direito.   

Não há que se acolher a proposta.

Não há como (se) acolher a proposta.


(Vozes da Língua Brasil)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

SENDO QUE ( será que pooode?!?)


É possível ligar duas orações por meio de “sendo que”? Claro que sim. Se se discute esse uso, é porque ele existe. É válido? Sem dúvida, pois mesmo bons autores se servem dessa locução conjuntiva (duas palavras usadas como conjunção), que foi além do valor causal originário para assumir um valor aditivo.

Nenhum gramático ousa dizer que seu emprego constitui erro, nem mesmo Napoleão Mendes de Almeida, em quem me esteio algumas vezes apesar de sabê-lo tradicionalista. O que esse mestre e seus seguidores ressaltam é que “não fica bom”, é “péssimo”, é “abuso do gerúndio”, da mesma maneira como se propala não serem recomendáveis “a nível de” e “mesmo” (no lugar do pronome reto ou oblíquo), por exemplo. Por conseguinte, eles apresentam sugestões de substituição de “sendo que” por E (opção A) ou por ponto e vírgula(opção B) ou por outra construção. Para atender à recomendação, vamos ver três frases de exemplo:

O enfoque é outro, sendo que a justiça constitui a legitimação da norma.

São dois os tipos de ambientes virtuais de aprendizagem destinados à educação, sendo que um deles foi desenvolvido com base em um servidor web.

O tratamento com aqueles medicamentos era muito caro, sendo que este novo produto, além de custar menos, é mais eficaz.

Opção A
- O enfoque é outro, e a justiça constitui a legitimação da norma.

- São dois os tipos de ambientes virtuais de aprendizagem destinados à educação, e um deles foi desenvolvido com base em um servidor web.

- O tratamento com aqueles medicamentos era muito caro, e este novo produto, além de custar menos, é mais eficaz.

Opção B
- O enfoque é outro; a justiça constitui a legitimação da norma.

- São dois os tipos de ambientes virtuais de aprendizagem destinados à educação; um deles foi desenvolvido com base em um servidor web.

- O tratamento com aqueles medicamentos era muito caroeste novo produto, além de custar menos, é também mais eficaz.

Será que as opções sugeridas denotam melhor redação que a original? Em princípio, sobressai que a conjunção aditiva ou o ponto e vírgula não têm a mesma força expressiva da locução conjuntiva visada. Já quando se trata de números, quantidades, é mais viável a alteração, como neste exemplo:

Em 1997 o curso à distância já contava com 160 mil alunos, sendo que 70% deles trabalhavam meio período.

Em 1997 o curso à distância já contava com 160 mil alunos, 70% dos quais trabalhavam meio período.

Outro gramático que aborda rapidamente o assunto é Adriano da Gama Kury (1.000 Perguntas: Português, 1983). Embora advirta que não é bom abusar da locução “sendo que” com o valor de “e”, ele a considera aceitável quando configura a redução de “sendo certo que” ou “notando-se que”. É o caso das frases utilizadas acima como exemplo, senão vejamos:

O enfoque é outro, sendo [certo] que a justiça constitui a legitimação da norma.

O tratamento com aqueles medicamentos era muito caro, sendo [de notar] que este novo produto, além de sair mais em conta, é também mais eficaz.

Enfim, trata-se de estilo, de gosto pessoal, jamais de erro. E a escolha por uma ou outra expressão vai depender muito do contexto, dentro do qual se deve verificar se já não existe gerúndio em excesso, ou muitos “sendo que”, ou muito “e”. O importante para a harmonia do texto é que não se utilize abusivamente de expressões fortes, marcantes. Apenas isso.

(Vozes da Língua Brasil)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

PRESIDENTE ou PRESIDENTA?!?

Dona Dilma Rousseff tem à sua disposição dois nomes para designar seu novo cargo: presidente e presidenta. E nada a impede de usar ora um, ora outro, dependendo do que lhe soar melhor.  Com o tempo, a preferência pode recair no substantivo válido para os dois gêneros: presidente, ou pode se tornar mais comum o uso da palavra com a desinência do feminino: presidenta.



Já em 2000 dizíamos na coluna Não Tropece na Língua 022 (com segunda edição em 2006):

“Neste caso específico, valem os dois termos: uma juíza pode ser a presidente ou a presidenta de um Tribunal, por exemplo. A primeira forma é de uso mais corrente, porém é bom saber que "presidenta" é uma variação possível, assim como há outros femininos (raros) em -nta: governanta, infanta, parenta, giganta...”

Devo acrescentar que o termo governante também pode ser usado para a mulher que administra a casa de outrem; no entanto, sempre se preferiu falar em governanta, pois a terminação em “a” deixa mais claro se tratar do feminino, principalmente em situações que não comportam o artigo “a”. Quanto a infante, era substantivo de dois gêneros no português arcaico, mas ao longo do tempo, com a troca da vogal temática para “a”, veio a se firmar um nome específico para as filhas dos reis de Espanha e Portugal ou para as mulheres dos infantes:infanta.

Pode-se afirmar, então, que é melhor usar “a presidente” ou “senhora presidente”, mas não será errado (como andam dizendo pela internet) falar em “presidenta do Brasil”.