Do leitor Francisco Leoncio Cerqueira, de São Paulo, recebi o seguinte comentário:
Tenho visto com frequência em revistas, jornais e até livros uma pontuação que me parece inadequada e me soa mal. Veja os seguintes exemplos:
O gerente ficou mais bonzinho e o motor, mais malvado.
A aeronave foi isolada e os passageiros, impedidos de desembarcar.
Carro popular fica mais caro e de luxo, mais barato.
A esquerda europeia reconhece seus ancestrais e a direita, seus inimigos.
A saída para a crise é de longo prazo e a receita, ortodoxa.
A empreiteira implodiu o edifício e o ministério, seus opositores. [Pode-se entender que a empreiteira tinha dois opositores – o edifício e o ministério – e os implodiu.]
O jornalista desconhece a ortografia e o dicionário, a sintaxe e a pontuação. [Pode-se entender que o jornalista desconhece quatro coisas: ortografia, dicionário, sintaxe e pontuação.]
O Planalto fritou o ministro e o cozinheiro, frutos do mar. [sentido ambíguo]
O Planalto fritou o ministro e o cozinheiro, frutos do mar. [sentido ambíguo]
O prisioneiro denunciou o amigo e o empresário, seus cúmplices. [idem]
O médico atendeu o paciente e a enfermeira, os feridos. [idem]
O BCCCV informa:
O que me parece é que os redatores têm receio de colocar a vírgula antes do e. [...] Outra explicação seria a de que a vírgula está substituindo o verbo, oculto por elipse. O que eu aprendi em mil novecentos e antigamente é que a vírgula pode ser usada para indicar a elipse do verbo. Mas neste caso ela não precisa ficar no lugar que seria o do verbo. Acho até mais razoável repetir o verbo, em vez de usar essa pontuação absurda. Na maioria dos casos, para corrigir essa pontuação, basta deslocar a vírgula. Em outros será necessário recorrer a ponto e vírgula ou ponto. Em raros outros, será melhor alterar a própria redação.
É isso aproximadamente que proponho no livro Só Vírgula. Ou seja: há opções de redação. Reitero que não há erro em nenhuma das frases apresentadas acima; no entanto, algumas (as últimas) ficariam melhores com outra pontuação, sem dúvida.
Considero ainda que em muitos casos basta a vírgula antes do e:
O carro popular fica mais caro, e o de luxo mais barato.
Os liberais ou radicais ficavam sentados à esquerda do orador, e os conservadores à direita.
Em 25 de fevereiro de 1975 o governo convocou a V Conferência de Saúde, e em março de 1977 a VI Conferência.
Quando aparece o verbo ser, pode-se pensar até em repeti-lo:
O Brasil reúne dois defeitos: o dinheiro é curto (30 mil reais por aluno até os 15 anos) e a distribuição dos valores é heterogênea.
Entretanto, há frases sem a conjunção e entre as duas orações. Aqui é preciso, então, usar o ponto e vírgula no lugar onde estaria o E, para separar com clareza as duas orações. Lamentavelmente não foi o que fez a revista Istoé ao transcrever declaração do ator Murilo Rosa: “A tevê confere visibilidade, o teatro, prestígio.” A transcrição correta e clara seria com um ponto e vírgula no meio da frase: “A tevê confere visibilidade; o teatro, prestígio”.
Outro mau exemplo sem a conjunção e foi encontrado numa prece:
Torna-me refletido, mas não ranzinza, serviçal, mas não autoritário.
Melhor redação seria esta:
Torna-me refletido, mas não ranzinza; serviçal, mas não autoritário.
* Maria Tereza de Queiroz Piacentini
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