É possível contornar o cansaço durante os estudos? Como?
Você já dormiu em cima dos livros?
Deixa eu descrever a situação para ver se você se identifica.
Terça-feira. Você acabou de chegar em casa.
Depois de acordar cedo para trabalhar e correr para a faculdade no final do dia, finalmente é hora de descansar?
Não.
Agora é que sua jornada nos estudos começa.
Você come alguma coisa bem rápido, senta à mesa com os livros abertos e tenta atacar aquele pedaço da teoria que não está entendendo.
Resultado?
Em 5 min, já começou a perder o foco e a “pescar” - aqueles episódios conhecidos de microssono.
Em 15 min, você está cochilando sobre os livros.
“Impossível se concentrar nessas condições”, você pensa, ao acordar uma hora mais tarde e notar que o tempo de estudar acabou.
Esse é um problema cada vez mais comum nos dias de hoje. Durante cursos e treinamentos que eu ministro, é a pergunta mais frequente que respondo a estudantes: “como integrar os estudos à minha rotina?"
Especialmente aqueles que se sentem culpados por se acharem preguiçosos por não conseguir estudar. Bem, antes de discutirmos se é possível (e como) tratar o problema, quero deixar algo claro: a culpa não é sua.
E de quem é a culpa por dormir sobre os livros?
Já notou como ensinam tudo a você na escola, menos a melhor maneira de estudar?
“Meta-aprendizado” deveria ser uma disciplina obrigatória desde muito cedo. Afinal de contas, espera-se que lembremos de tanta informação, mas nunca pararam para nos ensinar como, certo?
Nos últimos anos, educadores de vários níveis têm chamado atenção para essa necessidade. Por exemplo, depois de sair do mundo das artes e virar professora de engenharia, a Dra. Barbara Oakley, da Universidade de Oakland, resolveu escrever um livro para ajudar todos aqueles que com dificuldade com números.
Ao contrário do que muitos imaginam, a ciência dos estudos não é um campo estagnado - há sempre novas descobertas que podem ser trazidas para o dia a dia a fim de melhorar os estudos. Há bastante conceitos e ideias da pedagogia, psicologia, neurociência e até mesmo administração que são úteis para um estudante saber.
Por exemplo, para entender por que você não consegue se concentrar ao chegar em casa cansado da rotina, precisamos olhar para neurociência e para a psicologia da performance.
Olhe a imagem acima. Aquele é seu cérebro. A parte em destaque é chamada córtex pré-frontal. Durante milhares e milhares de anos, nós evoluímos de animais que só faziam tarefas simples, como caçar, se reproduzir e dormir.
As funções mais humanas, como estipular objetivos, estudar e afins, surgiram mais recentemente e por isso são comandadas por áreas separadas, mais externas no cérebro. Basta imaginar uma cebola: quanto mais central a área do cérebro, mais antiga e “animalesca” é a função que ela comanda.
O que nos interessa aqui é o estudo (uma ação abstrata, que só humanos realizam) é comandado pelo córtex pré-frontal, a área em destaque. Essa região também controla nossa força de vontade, quando precisamos agir contra impulsos mais primitivos como fome e cansaço.
Por exemplo, quando estamos cansados e queremos dormir, mas precisamos estudar, usamos a força de vontade. Ou quando estamos de dieta, mas bateu a fome e só há uma comida proibida disponível; não comer aquele bolo delicioso requer força de vontade.
“Sim, Paulo, mas o que isso tem a ver com estudar mesmo cansado?”.
O músculo da força de vontade
Algo interessante sobre essa região do cérebro: ela parece funcionar como um “músculo”. Quanto mais você usa o córtex pré-frontal, mais ele se “cansa”, precisando de um tempo para se recuperar.
Ao longo do dia, você está o tempo inteiro resolvendo problemas, lidando com pessoas, planejando, executando… utilizando o córtex pré-frontal.
À noite, ao chegar em casa depois da rotina, suas reservas estão baixas. Isso significa que sua força de vontade, comandada pela mesma parte do cérebro, está frágil.
O autocontrole vai embora e fica quase impossível controlar o cansaço e focar na leitura.
Resultado? Você dorme em cima dos livros.
E no final das contas, a culpa nem é sua. Não é que você seja preguiçoso: simplesmente há uma barreira biológica que nunca lhe ensinaram como contornar.
É possível contornar o cansaço na hora de estudar?
“Certo, então há uma barreira biológica, a culpa não era da preguiça… mas é possível estudar ainda assim? Como proceder?”
Há bastante coisa para você saber a respeito do cansaço nos estudos. Eu dedico um treinamento inteiro ao tema, focado em ajudar as pessoas a integrar o estudo à rotina e a estudar bem em qualquer situação (clique aqui para mais informações).
Como vimos acima, além do tradicional cansaço físico com o qual já estamos acostumados a lidar, quando se trata de uma sessão de estudo produtiva, é preciso contornar também o cansaço mental.
Para isso, algumas pessoas recorrem para estimulantes mentais, como a famosa cafeína. O problema com essa abordagem é a adaptação, que causa retornos cada vez menores.
Em poucas palavras, quanto mais café você bebe para se manter capaz de estudar, mais café você vai precisará beber, pois o corpo se acostuma com os níveis anteriores de cafeína no sangue. Além disso, seu sono será prejudicado, o que irá atrapalhar a sedimentação do aprendizado que ocorreu durante as sessões de estudo. Depender dessas substâncias para estudar é, de fato, uma má ideia.
Para alcançar a consistência, o que se faz necessário caso você possua um objetivo de médio-longo prazo (como aprovação na OAB ou em concursos), é necessário utilizar técnicas que não possuem impactos negativos na saúde. A palavra-chave aqui é sustentabilidade.
A boa notícia é que sim, é possível contornar o cansaço para estudar sem prejudicar a saúde.
Duas Estratégias para processar seu cansaço
Como já vimos, o foco é tratar a potência “limitada” do cortéx pré-frontal, que usamos para estudar e onde reside o autocontrole.
A primeira estratégia é literalmente poupar o uso do córtex pré-frontal. Quanto menos você utilizar a região do cérebro que mais tarde será ocupada com seus estudos, mais energia você possuirá ao final do dia.
Um dos modos de fazer isso é planejar o dia com antecedência para evitar fazer ter que fazer escolhas e lidar com muitas opções. O psicólogo Barry Schwartz, autor do livro Paradoxo da Escolha, traz uma discussão interessante sobre como ter muitas opções e escolhas para fazer pode ser um ponto negativo de nossa geração.
Escolhas demandam bastante psicologicamente; demanda que poderia ser dedicada apenas aos estudos!
Quanto melhor o planejamento de sua rotina, menos escolhas precisam ser feitas. Quanto menos escolhas, mais preparado para o aprendizado você chegará ao final do dia.
A segunda estratégia é algo que batizei de Ajuste Atividade Energia (A2E).
O costume popular é pensar em “estudar” como uma atividade única, variando apenas o tópico. Na realidade, o estudo é composto por várias atividades diferentes: ler, assistir, ouvir, anotar, interpretar, praticar, revisar, corrigir, pesquisar etc.
Cada uma dessas tarefas demanda um nível de esforço diferente e requer condições distintas para serem realizadas.
Por outro lado, ao longo do dia (e da semana), nós dispomos de níveis diferentes de energia disponíveis. Basta comparar como você se sente ao chegar em casa na terça-feira à noite, depois de uma longa rotina, e como se sente ao acordar depois de uma boa noite de sono no domingo.
Essa segunda estratégia para contornar o cansaço consiste em ajustar o nível de energia que você possui disponível em cada momento de estudo com as tarefas que demandam aquele nível. As tarefas mais trabalhosas devem ser realizadas quando há mais energia disponível.
Em contrapartida, nos momentos de baixa energia, não adianta tentar realizar tarefas que demandam bastante: é como tentar usar o veículo em uma marcha errada.
O resultado, qual vai ser?
Hora de colocar a mão na massa
Você terá resultado zero se não colocar em prática tudo que discutimos por aqui. Afinal de contas, conhecimento só tem valor quando muda sua forma de agir. O resultado vem da mudança!
Lembrando que essas duas estratégias são parte de um curso maior e bem detalhado sobre Como Estudar Bem Mesmo Cansado. Se quiser saber mais sobre o tema, basta clicar aqui.
Experimente com o planejamento de seu dia (com antecedência) e com o ajuste atividade-energia, depois volta aqui para nos contar os resultados!
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