--- Tenho alguma dificuldade na construção de frases ou até mesmo na fala quanto ao emprego de: quando "o" ou "a" conheci; "o" ou "a" vi poucas vezes, etc. Gostaria de conhecer a regra gramatical que trata desse tema. Grato. Paulo Moacir, Curitiba/PR
O #BCCCV esclarece:
LHE – objeto indireto, uso formal
A primeira coisa a notar e gravar é que o pronome LHE é a sintetização de a ele/ela ou a você (ou ao senhor e outras formas de tratamento correspondentes), quando a prep. A é insuprimível, pois introduz um objeto indireto. Em outros termos: o pronome LHE só é usado com verbos transitivos indiretos que exijam a preposição A ou PARA. Ele serve tanto para o masculino quanto para o feminino e normalmente se refere a pessoas. Então: falei-lhe = falei a você (não se diz *falei você); disse-lhe = disse a ele; já lhes informaram? = já informaram a vocês?; entreguei-lhe o livro = entreguei a ele [o livro]; mandei-lhe flores = mandei para ela.
O e A – objeto direto, uso formal
Quando não cabe a preposição a ou para, significa que o objeto é direto; neste caso o pronome a ser usado para substituir pessoas ou coisas é O para o masculino e A para o feminino: entreguei-o ao bibliotecário = entreguei o livro; entregou-o para as milícias = entregou o refém; mandei-a embora = mandei a moça embora; mandei-as para Celina = mandei flores para ela.
Na linguagem culta é assim que se fala. Ou melhor, é assim que se escreve. Na fala brasileira de todo dia pouco se ouvem tais pronomes oblíquos. Contudo, em textos bem elaborados, em que se pode planejar a escrita, deve-se fazer uso do LHE e do O/A como ensinado. E para isso é preciso um bom conhecimento não só das regras mas também da transitividade verbal.
ELE E ELA – objeto direto, uso coloquial
Basta ligar a televisão e ver uma novela ou assistir a uma entrevista para se constatar o emprego bem brasileiro dos pronomes retos (sujeitos) ele/ela como complemento de verbos transitivos diretos: vimos ele, conheço ela, convenceu eles, deixou ele ir, vou convidar ela, quero aproveitar ela [a oportunidade]. Já com o infinitivo é um pouco mais comum ouvir os pronomes O/A na forma de LO/LA: vou convidá-la, quero ajudá-lo, não queremos deixá-los...
Mesmo bons escritores e publicitários usam tais formas em textos informais, infantis, ou quando descrevem situações coloquiais. Por exemplo, em Mistério do Coelho Pensante, livro infantil lançado em 1967, Clarice Lispector emprega várias vezes construções verbais como tomei ele. Outro exemplo, agora de publicidade: “A distância faz o coração bater de saudade. Uma ligação faz ele disparar.” Como se dirige a um público amplo, “faz ele” tem mais apelo, soa mais natural do que “fá-lo” ou “o faz”.
Aliás, cumpre anotar que esse uso é antiquíssimo. Há registros no português arcaico: “E o senhor disse... que enforcariam ele” (Coutinho, I.L. Gramática Histórica. RJ: Liv. Acadêmica, 1968, p.67).
LHE – objeto direto, uso informal
Por último, mencionemos a tendência atual dos brasileiros em transformar O/A em LHE. Essa invasão de área está acontecendo porque: 1º) o O tem pouco corpo fonético, baixa audibilidade, e portanto comunica mal; 2º) no conjunto dos pronomes oblíquos, LHE se encaixa melhor do que O: me, te, se, lhe, com a vogal (e) apoiada por consoante, em vez de uma só vogal (o, a), formam uma sequência mais espontânea. E se os três primeiros podem funcionar também como objeto direto, por que o lhe não poderia? – é a pergunta que parece saltar à mente. Vai daí que já não soam erradas frases assim: “Amigos fazem você sorrir e lhe dão apoio; eles lhe elogiam e têm o coração aberto para você”.
De qualquer modo, o correto pela norma padrão é “eles o elogiam, eu o vi (ou: eu vi você), não a conheço, espero convencê-lo”, e não “eu lhe vi, não lhe conheço, espero lhe convencer”.
Além disso, parece que O/A se refere apenas a ele/ela, e LHE a você, até pela semelhança com TE. Para exemplificar, cito o diálogo de uma crônica do escritor Amílcar Neves publicada no jornal Diário Catarinense. A voz feminina sussurra: “Vou deixá-lo definitivamente.” Ele se surpreende: “Deixar-me?” Ela esclarece: “Falei que ia deixá-lo, e não que ia deixar-te.” E o autor põe sua sutil ironia na réplica do rapaz: “É verdade, desculpa-me. Português nunca foi o meu forte...”
Lembro que, apesar de tudo, nos vestibulares e concursos para empregos públicos buscam-se pessoas com o domínio da língua culta, que saibam aplicar formalmente esses pronomes.
* Maria Tereza de Queiroz Piacentini
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