terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

RISCO DE VIDA ou RISCO DE MORTE?

Está correto o uso de “correr/estar em perigo/risco de vida”? 

Seria “risco de morte”?

Sim, é correto afirmar:

Severino, trabalhando em condições subumanas, corre perigo de vida.

Parece milagre: Marialva já não corre risco de vida.

Dizemos assim porque é a vida que está exposta a risco ou perigo.

Contudo, se for para enfatizar o aspecto oposto, pode-se afirmar:

 “Em jejum há dois meses, ele corre o risco de morrer”, embora o uso da palavra
morte não seja tão delicado em situações sociais.

Há um certo movimento no sentido de só considerar correto o “risco de morte”.
Mas, isso, não tem base linguística, é formulação fantasiosa, que desconhece 
a natureza das línguas.

 Como esclarece o linguista José Luiz Fiorin na revista Língua Portuguesa n. 26:
-  “o sentido das expressões é constituído em bloco e não pela soma das
 palavras que as compõem”.

Ademais, há o aspecto cultural: é muito melhor ouvir a palavra vida,

construtiva e agradável, do que a palavra morte.

Trata-se de eufemismo, mais condizente com a sensibilidade humana.

Reza o novo Código Civil brasileiro (2002): Art. 15:

- "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica".


















domingo, 16 de fevereiro de 2014

Em UM ou NUM?


Não há nada na gramática e tampouco nas obras de literatura contra o uso da contração da prep. EM com os artigos indefinidos [um, uns, uma, umas]. A aproximação dos dois elementos conduz naturalmente, pela ressonância nasal, à contração: num, numa, nuns, numa. Tanto é que se fala assim.

Deixo por conta de Evanildo Bechara a síntese do caso: “Sabemos desde os primeiros bancos escolares que, quando se encontra na cadeia da frase a preposição de com o artigo definido ou pronome iniciado por vogal, se dá a contração: O livro de menino / O livro do menino. A casa de ele / A casa dele. Já com os artigos indefinidos e certos pronomes iniciados por vogal esta contração é facultativa: O livro de um menino / O livro dum menino. É revista de outros tempos / É revista doutros tempos” (Na Ponta da Língua, v.2, RJ: Lucerna, 2002, p.177).

A observação a fazer é que no Brasil o uso de dum é menos frequente do que em Portugal. Recebi mensagem de um lusitano assim: “Votos dum feliz Natal”. Também na Revista Luso-Brasileira de Florianópolis: “A Marcha dum Povo”. Entretanto, NUM é tão usual aqui quanto lá. Existem algumas situações em que a eufonia exige mesmo a contração, por exemplo quando a palavra anterior traz a terminação “em”: Creem em um só Deus [em em]. Melhor: Creem num só Deus.

O único caso em que se recomenda (mas não se obriga, cf. Machado de Assis, abaixo) usar em um é quando se trata do numeral. Exemplo: Ele estará de volta em um ou dois dias.

Fui procurar este emprego no grande escritor brasileiro Machado de Assis. Em duas páginas seguidas de “Memórias póstumas de Brás Cubas” (Abril Cultural, 1978, p. 22 e 23) já deparei com três ocorrências:
          1. “Como tocássemos, casualmente, nuns amores ilegítimos, meio secretos, meio divulgados, vi-a falar com desdém.”

          2. “Com efeito, abri os olhos e vi que o meu animal galopava numa planície branca de neve.”

          3. “Logo depois, senti-me transformado na Suma Teológica de Santo Tomás, impressa num volume, e encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas.”

Anote: embora se tratasse de um volume, o autor usou a contração.

Então, não é questão de bom ou mau uso, certamente. Apenas de estilo e gosto; gosto pela redação mais fluente que as contrações das preposições com os artigos sem dúvida propiciam.

ALCORÃO ou CORÃO?

ALCORÃO OU CORÃO


O nome do livro sagrado dos muçulmanos em árabe é “al-kuran”,

em que “al” é artigo definido.

 É por isso que também se pode
escrever, em português, Corão, separando-se o artigo do
substantivo.

 A grafia mais comum, porém, é Alcorão – embora
pareça redundante dizer o Alcorão – porque é assim que se
comportam as palavras de origem árabe que se incorporam à
língua portuguesa: o artigo AL se aglutina à palavra-base na
passagem para o português. 

O falante não percebe ou não
sabe disso quando diz: 
 a alface, a alfândega, a almofada, a 
almôndega, o algodão, a aldeia, a alcova, a alcachofra, o alfinete,
o algarismo, o alvará, o almoxarife 
 só para dar alguns exemplos
em que o artigo em português é concomitante ao artigo árabe.